Psicopatologia: Estudo do Adoecimento Mental e Suas Dimensões


Psicopatologia: Estudo do Adoecimento Mental e Suas Dimensões


Introdução

A psicopatologia, enquanto campo científico, dedica-se à investigação da natureza das patologias mentais, abrangendo suas etiologias, alterações estruturais e funcionais, bem como suas manifestações clínicas (Campbell). Em uma perspectiva mais ampla, Dalgalarrondo define a psicopatologia como o corpo de conhecimento concernente aos fenômenos do adoecimento mental no ser humano. O estudo dessa área envolve a análise de vivências, estados mentais e padrões comportamentais que exibem características disfuncionais, distinguindo-se de variações extremas do comportamento típico e apresentando intrincadas relações com a existência e o funcionamento psíquico habitual.


Correntes de Estudo da Psicopatologia

Psicopatologia Descritiva

A psicopatologia descritiva concentra-se no estudo das alterações psíquicas e na estrutura dos sintomas. Sua investigação visa compreender a experiência geral e típica das manifestações psicopatológicas. Neste domínio, a forma como os sintomas se organizam e se apresentam é de maior relevância para os pesquisadores, enquanto os conteúdos específicos decorrentes de disfunções psíquicas são considerados de natureza individual e, portanto, de caráter acidental.

Psicopatologia Dinâmica

A psicopatologia dinâmica visa investigar cientificamente tanto o conteúdo das vivências patológicas quanto das normais, com foco nos movimentos internos dos afetos, desejos e temores do indivíduo, ou seja, em sua experiência subjetiva. Nesse sentido, a abordagem pode se concentrar na análise de sinais e sintomas observáveis, ou priorizar a escuta qualificada do sujeito. Esta última busca compreender a pessoa em sua singularidade, explorando suas aflições, temores, desejos e expectativas pessoais.

Psicopatologia Médica

A psicopatologia médica domina a perspectiva médico-naturalista, que adota uma abordagem na qual a compreensão do ser humano está centrada no organismo biológico, concebendo o adoecimento mental como resultado de uma disfunção cerebral.

Psicopatologia Existencial

Na psicopatologia existencial, o indivíduo que experimenta o adoecimento é compreendido como uma existência singular, um ser inserido em um mundo cuja dimensão elementar é natural e biológica, mas que fundamentalmente se constitui como histórico e humano.

Perspectiva Cognitiva

A perspectiva cognitiva considera o ser humano como um conjunto de comportamentos observáveis e passíveis de condicionamento por estímulos específicos e gerais. O sintoma é compreendido como uma manifestação de comportamentos e representações disfuncionais.

Postura Psicodinâmica

Na postura psicodinâmica, o ser humano é compreendido como determinado e influenciado por pulsões, desejos e conflitos inconscientes. Os sinais e sintomas observáveis são interpretados como formas de expressão de conflitos inconscientes reprimidos, desejos não realizados e temores inacessíveis à consciência do indivíduo.

Concepção Dimensional e Categorial do Sintoma

É relevante mencionar a concepção dimensional do sintoma, que postula as patologias como constituídas por dimensões (espectros) abrangendo distintos níveis de comprometimento e alteração das funções psicológicas. Essa noção coexiste no DSM-5 com a abordagem categorial, que compreende as “entidades nosológicas completamente individualizadas, com contornos e fronteiras bem-demarcadas”.


Normatividade e Anormalidade Segundo Canguilhem

A distinção entre normalidade e patologia é uma questão fundamental na compreensão da saúde. Para fundamentar essa discussão sob uma perspectiva epistemológica clássica, considera-se a contribuição de Georges Canguilhem.

Em sua análise, Canguilhem postula que “o estado patológico em absoluto não difere radicalmente do estado fisiológico, em relação ao qual ele só poderia constituir, sob um aspecto qualquer, um simples prolongamento mais ou menos extenso dos limites de variações, que superiores que inferiores […] sem jamais produzir fenômenos realmente novos […]” (Canguilhem, 1982).

Canguilhem traz três conceitos importantes:

  • Normalidade: Na perspectiva de Canguilhem, é definida como o conjunto de características e comportamentos observados e mensurados na maior parte da população. Essa frequência elevada confere ao fenômeno o status de normal, representando o padrão estatístico predominante dentro de um grupo.
  • Normatividade: Infere-se que o conceito de normalidade está intrinsecamente ligado ao de normatividade, o qual se refere às normas de funcionamento estabelecidas e à distribuição estatisticamente comum dos comportamentos observáveis dentro de uma população específica.
  • Valor não fato: É crucial reconhecer que a definição de normalidade emerge de uma valoração, e não de um fato inerente ou objetivo. A determinação do que é considerado normal é influenciada por critérios e convenções estabelecidas dentro de um contexto específico.

Em contraposição à normalidade, situa-se a noção de anormalidade. Para Canguilhem, a anormalidade não se configura como um dado objetivo, um conceito intrínseco ou uma medida estatisticamente determinada. Em vez disso, sua definição reside na implicação que o desvio da norma acarreta, ou seja, no julgamento ou valor positivo ou negativo atribuído em relação à sua funcionalidade nos processos de preservação e reprodução do organismo. Nessa perspectiva, Canguilhem (1982) demonstra que uma mesma variação objetiva pode ser interpretada como indicativo de normalidade ou de patologia, a depender do contexto específico em que se manifesta.


Continuidade entre os Fenômenos da Saúde e Patologia

As ponderações de Canguilhem (1982) elucidam que a distinção entre um estado ou fenômeno como normal ou patológico intrinsecamente demanda uma análise dos seus efeitos sobre a capacidade normativa do organismo. Em outras palavras, é imperativo identificar a diferença qualitativa entre as condições de saúde e doença.

Ao considerar a saúde como um estado de bem-estar biopsicossocial, compreende-se que os estados psicopatológicos emergem precisamente de um desequilíbrio nesse bem-estar. Tal desequilíbrio pode manifestar-se através de vivências de luto, da presença de enfermidades biológicas, da exibição de sinais e sintomas que caracterizam comportamentos disfuncionais, ou mesmo como uma resposta a influências de ordem social.

Na delimitação conceitual de saúde e doença, é fundamental reconhecer a interdependência entre indivíduo e meio, sendo inadequado considerá-los de forma isolada. Contrariando a visão comum, normalidade e patologia não representam polos opostos, mas sim distintas manifestações de uma mesma entidade, a qual, no âmbito da psicologia, compreendemos como o sujeito ou ser humano. Sob essa perspectiva que integra a relação entre o indivíduo e o seu ambiente, e considerando a doença como uma variação biológica, Canguilhem postula que uma patologia pode manifestar-se tanto pela presença quanto pela ausência de uma característica específica, a qual se torna crucial para a adaptação a um dado contexto ambiental. É precisamente no estudo das condições patológicas que a medicina frequentemente realiza descobertas significativas acerca dos mecanismos da saúde.


A Vida e a Saúde como Processo Criativo

Canguilhem propõe uma reflexão relevante: o estado patológico não resulta da ausência de normas biológicas. A doença, segundo ele, constitui também uma norma de vida, embora de natureza inferior. Essa inferioridade reside na sua limitada tolerância a variações nas condições em que se manifesta, dada a sua incapacidade de se transformar em outra norma adaptativa.

Essa perspectiva, inicialmente complexa, direciona a atenção para aspectos cruciais. Primordialmente, incita a uma reflexão sobre a necessidade de desenvolver as ciências do cuidado em saúde desprovidas de preconceitos. É imperativo recordar que o que pode ser considerado saúde em um dado momento ou contexto pode ser interpretado como doença sob outras circunstâncias. Portanto, independentemente da identificação de um comportamento disfuncional, não se deve priorizar uma objetividade descontextualizada que não contribua para a promoção do bem-estar do indivíduo em sofrimento psíquico. Adicionalmente, é imprescindível evitar a mera categorização do sujeito, buscando, em vez disso, uma compreensão abrangente de sua condição em relação à sua totalidade existencial.


Semiologia Psicopatológica

A psicopatologia, em sua análise, frequentemente toma como ponto de partida a manifestação de um sintoma, seja com o objetivo de definir a esfera existencial do indivíduo, seja para categorizar comportamentos observáveis. Nesse sentido, Kaplan e Sadock (2007, p. 306) estabelecem uma distinção fundamental: os sinais correspondem a observações e achados objetivos, a exemplo de afetos restritos ou lentificação psicomotora identificados no paciente. Por outro lado, os sintomas referem-se às experiências subjetivas relatadas pelo indivíduo, frequentemente expressas como suas queixas principais, como humor depressivo ou astenia. Dessa forma, enquanto o sinal se configura como um comportamento passível de observação e classificação, o sintoma está intrinsecamente ligado à vivência e à percepção do paciente.


Doença, Transtorno e Síndrome

Doença

Os critérios que tradicionalmente delimitam uma condição como doença compreendem:

  • Etiologia Definida: A condição deve possuir uma causa conhecida e identificável.
  • Manifestações Clínicas Específicas: A doença deve apresentar-se por meio de um conjunto característico de sinais (observações objetivas) e sintomas (relatos subjetivos do paciente).
  • Alterações Orgânicas Patognomônicas: A condição deve induzir modificações específicas e reconhecíveis na estrutura ou função do organismo.

Transtorno

Os transtornos mentais representam alterações na saúde psíquica que, frequentemente, não se enquadram nos critérios clássicos definidores de uma doença orgânica. Em diversas categorias nosológicas da psicopatologia, as condições são designadas como transtornos precisamente por não satisfazerem integralmente os requisitos estabelecidos para a caracterização de uma doença propriamente dita. Consequentemente, o termo “transtorno” é empregado para descrever alterações que se manifestam no domínio do psiquismo.

Síndrome

Em termos clínicos, uma síndrome é definida pela apresentação de um conjunto de sinais e sintomas, cuja etiologia específica pode não ser totalmente elucidada ou pode decorrer de múltiplos fatores causais. Essa definição implica que uma síndrome engloba diversas manifestações clínicas, podendo ser indicativa de uma ou mais condições patológicas subjacentes.

É importante ressaltar que a ausência de uma causa única e identificável não invalida a relevância clínica da síndrome. O reconhecimento e a descrição cuidadosa dos sinais e sintomas associados a uma síndrome permitem o desenvolvimento de abordagens diagnósticas e terapêuticas direcionadas, mesmo quando a etiologia permanece obscura. A síndrome de Burnout, a síndrome do pânico e a síndrome de Down são exemplos de condições em que a etiologia específica pode ser multifatorial ou complexa. Nesses casos, observa-se um conjunto de manifestações clínicas que abrangem tanto o âmbito psíquico quanto o físico, impactando significativamente a qualidade de vida do indivíduo afetado.

Distúrbio

Diferentemente de uma síndrome, que configura um conjunto de sinais e sintomas com etiologia multifatorial, o termo “distúrbio” refere-se a alterações funcionais de um órgão ou sistema, sem necessariamente implicar em um diagnóstico sindrômico fechado. Um exemplo elucidativo são os distúrbios alimentares, nos quais a fisiopatologia envolve uma complexa interação de fatores etiológicos diversos.


Forma e Conteúdo dos Sintomas: Patogênese e Patoplastia

Na análise dos sintomas psicopatológicos, dois aspectos fundamentais devem ser considerados (1):

  1. A forma dos sintomas: Refere-se à sua estrutura básica, a qual demonstra relativa constância entre diferentes pacientes e contextos socioculturais (exemplificada por manifestações como alucinações, delírios, ideias obsessivas e fobias).
  2. O conteúdo sintomático: Corresponde aos elementos temáticos que preenchem a referida alteração estrutural (por exemplo, conteúdos de culpa, religiosos ou persecutórios presentes em um delírio, alucinação ou ideia obsessiva).

Adotando o modelo proposto pelo psicopatólogo alemão Karl Birnbaum, a forma dos sintomas está associada ao que ele denominou patogênese. Este conceito descreve o processo pelo qual os diversos sintomas psicopatológicos se originam e se estruturam (1).

Por outro lado, Birnbaum designou como patoplastia a configuração e o preenchimento dos conteúdos dos sintomas, ou seja, o modo como a forma é preenchida por temas específicos. Assim, os contornos particulares dos sintomas, incluindo os temas e as narrativas que os constituem, são determinados pela patoplastia, refletindo a história de vida singular de cada paciente (1).

Em síntese, a forma (relacionada à patogênese) tenderia a um caráter mais geral e universal, comum à maioria dos pacientes em diferentes culturas. Em contrapartida, o conteúdo (vinculado à patoplastia) possui uma natureza marcadamente pessoal, sendo influenciado pela história de vida individual, pelo universo cultural específico do paciente e por suas características de personalidade e cognição pré-mórbidas (1).


Temas e Interesses Centrais

A compreensão dos temas e interesses centrais dos indivíduos é crucial na psicopatologia.

O Que Busca e Deseja (1)

  • Alimentação
  • Sexo
  • Conforto físico
  • Sobrevivência
  • Prazer
  • Poder (econômico, político, social, etc.)
  • Prestígio
  • Relacionar-se com os outros
  • Segurança
  • Controle sobre si e sobre os outros
  • Ser reconhecido pelos demais

Temores Centrais (1)

  • Morte
  • Ter uma doença grave
  • Sofrer dor física ou moral
  • Miséria
  • Falta de sentido existencial
  • Perda da identidade e do sentido do self

Formas de Lidar com Tais Temores (1)

  • Religião/Mundo místico
  • Continuidade através das novas gerações
  • Vias sobrenaturais/Medicina/Psicologia, etc.
  • Relações interpessoais significativas
  • Cultura

Referências Bibliográficas

  1. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.