Sensibilidade ao Glúten Não Celíaca (SGNC): Desafios Diagnósticos e Abordagem Terapêutica Nutricional


Sensibilidade ao Glúten Não Celíaca (SGNC): Desafios Diagnósticos e Abordagem Terapêutica Nutricional


Introdução

A Sensibilidade ao Glúten Não Celíaca (SGNC) é uma condição clínica complexa, caracterizada por sintomas gastrointestinais e extragastrointestinais desencadeados pela ingestão de glúten, em indivíduos que não possuem doença celíaca ou alergia ao trigo. A ausência de biomarcadores específicos e a sobreposição de sintomas com outras condições, como a Síndrome do Intestino Irritável (SII), representam desafios significativos para o diagnóstico e manejo.


Fisiopatologia e Diagnóstico

O termo Sensibilidade ao Glúten Não Celíaca (SGNC) descreve o estado clínico de indivíduos que desenvolvem sinais e sintomas, tanto intestinais quanto extratestinais, após a ingestão de alimentos contendo glúten. A melhora desses sintomas ocorre com a remoção do glúten da dieta, e os pacientes não apresentam doença celíaca ou alergia ao trigo (1,2).

Em 2011, um consenso internacional classificou a sensibilidade ao glúten como uma reação imune mediada pelo glúten, com sintomas gastrointestinais e outros que melhoram com a exclusão do glúten da dieta, e com exclusão do diagnóstico de alergia (1,2).

A SGNC pode estar associada a mudanças na permeabilidade intestinal, embora a maioria dos estudos indique permeabilidade normal, com ativação do sistema imune inato e ausência de ativação da resposta adaptativa (1,2,3). Pode haver também alterações na microbiota intestinal (1,2,3).

Tem sido proposto que outros componentes do trigo, não relacionados ao glúten, podem ser responsáveis pelos sintomas observados (2). Inibidores de tripsina amilase (ATIs) e carboidratos de cadeia curta fermentáveis (FODMAPs), abundantes em cereais com glúten, contribuem para a ativação da resposta imune inata e para a precipitação dos sintomas em pacientes não celíacos (2,3).

Em contraste com a doença celíaca, pacientes com SGNC podem apresentar negatividade para sorologia de anticorpos (anti-tTG) e moléculas HLA-DQ2 e DQ8, além de não exibirem anormalidades histológicas na mucosa do intestino delgado (2).

É possível que a SGNC seja um grupo heterogêneo de subgrupos, cada um com um processo patogênico particular (2). Isso explica, em parte, a ausência de marcadores biológicos específicos para diferenciar a resposta desencadeada pelo glúten de outros componentes (2). Dessa forma, a prevalência exata da SGNC ainda é desconhecida (2). Alguns pesquisadores acreditam que a sensibilidade ao glúten pode ser uma forma “suave” da doença celíaca (1).

Critérios Diagnósticos

Atualmente, não há um critério diagnóstico definitivo para a sensibilidade ao glúten, devido à falta de biomarcadores específicos e ao conhecimento limitado sobre sua patogênese (1,3). A SGNC é, portanto, um diagnóstico de exclusão.

Indivíduos com SGNC apresentam parâmetros de IgE (sérico ou cutâneo) negativos e ausência de autoanticorpos anti-transglutaminase tecidual (anti-tTG) (3). Aqueles que relatam sintomas gastrointestinais responsivos a uma dieta livre de glúten, na ausência de doença celíaca e não preenchendo critérios para alergia ao trigo, são classificados como SGNC (2,3). No entanto, a similaridade dos sintomas com a Síndrome do Intestino Irritável (SII) e a falta de marcadores para ambas as condições podem gerar confusão diagnóstica (1).


Sintomas Associados

Atualmente, reconhece-se que a sensibilidade ao glúten se manifesta principalmente com sintomas que se sobrepõem aos da Síndrome do Intestino Irritável (SII) (2), incluindo:

  • Gastrointestinais: inchaço abdominal, dor abdominal, diarreia, constipação, náuseas, refluxos, mudança de hábitos intestinais (1,2).
  • Extragastrointestinais: fadiga, cefaleia, perda de peso, mudanças dermatológicas (1,2).

Alguns estudos têm observado que indivíduos com SGNC desenvolvem sintomas em idade precoce, com predomínio de constipação em vez de sintomas de má absorção, deficiência nutricional ou histórico de doenças autoimunes ou doença celíaca na família (3).


Terapia Nutricional e Conduta Clínica

A principal conduta clínica para a SGNC é a retirada do glúten da dieta.

Retirada do Glúten

Na SGNC, não está claro se a melhora dos sintomas após a retirada do glúten se deve ao glúten em si ou aos carboidratos fermentáveis (FODMAPs), abundantes em cereais que contêm glúten (2). Após 1 ou 2 anos de dieta sem glúten, os pacientes podem “testar” a quantidade máxima tolerada. A adesão a uma dieta low-FODMAP também pode auxiliar na melhora dos sintomas (1).

É importante notar que dietas sem glúten geralmente são ricas em calorias, açúcares e sal, e pobres em nutrientes como ferro, folato, niacina e fibras (1). Portanto, é necessária uma adequação dietética cuidadosa para evitar deficiências nutricionais.

Microbiota Intestinal

Embora ainda haja poucos estudos, uma dieta livre de glúten demonstrou melhora na microbiota intestinal em pacientes com sensibilidade (1).

Pesticidas

Evidências sugerem que o aumento do uso de pesticidas pode estar relacionado ao aumento da resposta imune devido à maior liberação de citocinas inflamatórias (1).


Atenção Especial e Considerações Adicionais

É fundamental que os pacientes sejam educados sobre as consequências da exclusão desnecessária de glúten da dieta (1).

Evidências sugerem que os sintomas podem ser causados por outras substâncias que não o glúten, como o frutano (um carboidrato não digerível), ou por substâncias provenientes de pesticidas (1).

Não está claro o motivo do aumento no número de casos de sensibilidade ao glúten, e esse aumento não é, até o momento, ligado a mudanças na dieta (1).

É possível que a distensão abdominal gerada por FODMAPs (frutanos) seja responsável por sintomas neuropsiquiátricos (1).


Referências Bibliográficas

  1. KHAN, A.; SUAREZ, M. G.; MURRAY, J. A. Nonceliac Gluten and Wheat Sensitivity. Clinical Gastroenterology and Hepatology, v. 17, n. 13, p. 2643–2653, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.cgh.2019.04.009
  2. COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2. ed. Barueri: Manole, 2020. 1369 p.
  3. COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.

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