Sensopercepção: O Processo de Conexão com a Realidade


Sensopercepção: O Processo de Conexão com a Realidade


Introdução

A sensopercepção é o complexo aparato mental responsável pela compreensão das informações provenientes tanto do ambiente externo quanto do próprio corpo. Este campo de estudo abrange desde o registro inicial das estimulações sensoriais até a interpretação subjetiva das dimensões temporais e espaciais pelo indivíduo. A conexão entre o mundo interno e externo é mediada pela percepção e pelos sentidos, em um estado de consciência. Os processos de sensação e percepção são processos unificados e inseparáveis.


Sensação e Percepção: Definições Essenciais

Vendebos define sensação e percepção da seguinte maneira (1):

  • Sensação: É a unidade fundamental da experiência. Resulta da estimulação de um receptor sensorial e da subsequente ativação de um centro cerebral específico. Esse processo gera a consciência elementar de estímulos como som, odor, cor, forma, paladar, temperatura, informações cinestésicas, fome, sede, náusea e excitação sexual.
  • Percepção: Consiste no processo ou no resultado da aquisição de consciência acerca de objetos, relações e eventos por meio das modalidades sensoriais. Engloba atividades cognitivas como o reconhecimento, a observação e a discriminação. Sem esta função neuropsicológica, os estímulos sensoriais permaneceriam desintegrados, desorganizados e destituídos de significado para o indivíduo.

Quando a sensação é desencadeada por um estímulo externo e presente, a percepção resultante é denominada imagem, denotando sua natureza real. Por outro lado, quando o estímulo não possui uma correspondência na realidade presente, originando-se da memória e evocando algo previamente experienciado como uma imagem sensorial, o fenômeno é denominado representação. A terceira modalidade da experiência sensoperceptiva é a imaginação, uma atividade mental, geralmente de natureza volitiva, que utiliza representações mentais para gerar ou conceber novos objetos ou soluções para problemas.


Sensação: O Processo Fisiológico

A sensação difere do sentimento. Ela é um processo fisiológico que ocorre por meio dos sete sentidos do sistema nervoso periférico (SNP). Esses sentidos coletam informações do meio externo e interno por meio de receptores neurológicos (3).

A sensação refere-se ao processo inicial de detecção e codificação da energia ambiental (3). Por isso, afirma-se que a sensação é pertinente ao contato inicial entre o organismo e seu ambiente (3). Diz respeito a experiências imediatas, fundamentais e diretas. Ela relaciona-se com a consciência de qualidades ou atributos vinculados ao ambiente físico, como “duro”, “quente” ou “ruidoso” (3).

A sensação é um impulso nervoso que se inicia no momento em que o estímulo atinge seu receptor e perdura até o momento em que chega ao córtex. A sensação é um processo que não somos capazes de alterar, diferentemente da percepção.

Em resumo, a sensação é a capacidade do organismo de coletar informações do meio externo ou interno, por meio de células nervosas específicas (receptores), codificar essas informações em uma linguagem inteligível para o sistema nervoso central, e enviá-las pelas vias sensoriais aferentes para o córtex cerebral, onde serão interpretadas.

Receptores da Sensopercepção

Os receptores sensoriais são especializados na captação de diferentes tipos de estímulos:

  • Mecanorreceptores: Captam estímulos mecânicos.
  • Termorreceptores: Captam estímulos térmicos.
  • Nociceptores: Captam estímulos agressivos.
  • Fotorreceptores: Captam estímulos luminosos.
  • Quimiorreceptores: Captam estímulos químicos.

Sentidos da Sensopercepção

Qualquer variação energética pode servir de estímulo sensorial, e os sentidos orientam a percepção:

  • Sistema olfativo: Utiliza quimiorreceptores para captar odores.
  • Sistema visual: Utiliza fotorreceptores para captar luz.
  • Sistema auditivo: Utiliza mecanorreceptores para captar sons.
  • Sistema gustativo: Utiliza quimiorreceptores para captar sabores.
  • Sistema proprioceptivo: Relacionado à consciência corporal.
  • Sistema vestibular: Relacionado ao equilíbrio, utiliza mecanorreceptores.

É importante ressaltar que os estímulos levam a experiências subjetivas.


Percepção: O Processo Psicológico

A percepção é um processo psíquico que interpreta as sensações no Sistema Nervoso Central (SNC), em conjunto com outros processos como memória, atenção, motivação, experiência, aprendizagem e crenças. É um processo individual que não constitui um retrato fiel da realidade, sendo dependente de múltiplos fatores e, portanto, passível de falhas.

A percepção é a capacidade dos organismos de analisar informações coletadas em diversas etapas de processamento, relacionando-as com informações já existentes no organismo e combinando-as com outras funções cognitivas, a fim de permitir que o organismo opere no ambiente (1). Nesse sentido, a percepção não é um “objeto”, mas um processo (1).

Em resumo, a percepção é a capacidade do organismo de interpretar as informações coletadas pelos sentidos. É uma função mental que nos permite adaptar ao meio, modificando a natureza e a realidade ao nosso redor. O processo sensoperceptivo guia nossos comportamentos e é passível de mudanças. Não podemos perceber informações que não atingem o organismo devido à distância ou obstáculos, nem eventos ou experiências passadas. A percepção se limita ao que está ocorrendo no presente e a uma distância limitada (1).

Observação: A percepção não é um retrato da realidade, pois depende de inúmeros outros fatores.

Percepção Segundo o Estruturalismo

Para a corrente do Estruturalismo, a percepção seria um somatório de sensações elementares. Para estudar a percepção, seria necessário identificar sensações como cor, forma e textura, uma vez que estas, posteriormente, formariam a percepção.


Alterações da Sensopercepção

As alterações da sensopercepção são divididas em dois grupos principais: alterações quantitativas e alterações qualitativas.

Alterações Quantitativas

  • Hiperestesia: Consiste em uma elevação anormal da intensidade e/ou duração da sensação. Indivíduos com esta alteração tendem a perceber os estímulos sensoriais de forma mais intensa. Pode ocorrer em estados de forte emoção ou afeto, intoxicação por substâncias alucinógenas, hipertireoidismo, esquizofrenia e episódios de mania.
  • Hipoestesia: Caracteriza-se por uma diminuição anormal da intensidade da sensação, resultando em uma percepção atenuada.
  • Anestesia: Consiste na ausência da sensação, manifestando-se como dormência ou perda completa da recepção de estímulos sensoriais. É comumente observada nas funções relacionadas ao tato.
  • Analgesia: Refere-se à perda da sensibilidade dolorosa em determinadas áreas do corpo. É comum em quadros de humor delirante e durante crises de histeria.
  • Disestesia: Caracteriza-se pela sensação anormal de dor, picada ou formigamento em alguma região corporal, desencadeada por estímulos externos.
  • Parestesia: Apresenta controvérsia entre a neurologia e a psicologia. Na neurologia, assemelha-se à analgesia, indicando diminuição ou ausência da percepção dolorosa. Na psicologia, associa-se a uma reação desproporcional e inadequada a um estímulo doloroso. É referida como característica em transtornos de personalidade, perversões sexuais, hipocondrias graves ou estados emocionais extremos. Distingue-se da disestesia pela ausência de um estímulo externo desencadeador da sensação anormal.

Alterações Qualitativas

  • Ilusão: Consiste em uma interpretação distorcida da imagem de um objeto real e presente. Manifestações ilusórias são frequentemente observadas em quadros de rebaixamento do nível de consciência, fadiga severa ou estados catatônicos. As ilusões visuais são as mais prevalentes (percepção de sombras, vultos, objetos estáticos em movimento, identificação equivocada de animais ou pessoas). No domínio auditivo, emergem de estímulos sonoros ambíguos, onde o indivíduo discerne palavras com significado específico.
    • Observação: A ocorrência de ilusões não implica necessariamente uma condição patológica. A persistência, a capacidade de evocação volitiva e a natureza da distorção perceptual são critérios de discriminação significativos no diagnóstico diferencial.
  • Alucinação: Configura-se como a percepção nítida e bem definida de um objeto na ausência de um estímulo sensorial externo correspondente e real. O indivíduo descreve o objeto com convicção subjetiva, de forma clara e vívida, sem questionamentos.
    • Tipos de Alucinações (em ordem de prevalência):
      • Alucinação auditiva: As mais comuns, podendo ser simples (ruídos elementares como zumbidos, murmúrios, estalidos, cliques – acúfenos) ou complexas (percepção de vozes com conteúdo ameaçador, insultuoso ou depreciativo).
      • Alucinações musicais: Percepção de tons, melodias ou ritmos na ausência de estímulo. Associadas a transtornos neurológicos com perda auditiva (hipoacusia).
      • Alucinações visuais: Percepção clara e vívida de objetos sem estímulos correspondentes.
        • Simples (fotopsias): Elementos visuais básicos como cores, esferas luminosas, pontos brilhantes.
        • Escotomas: Áreas de ausência visual no campo de visão (manchas escuras).
        • Complexas (configuradas): Imagens elaboradas como pessoas, partes do corpo, entidades (demônios, figuras santas, fantasmas) e objetos inanimados.
        • Cenográficas: Experiência de cenas completas dentro do quadro delirante.
        • Liliputianas: Percepção de figuras diminutas interagindo no ambiente real (incomuns, mas relatadas em esquizofrenia sem desrealização).
      • Alucinações olfativas e gustativas (fantoosmia e fantageusia): Percepção de odores ou sabores na ausência de estímulos.
      • Alucinações cenestésicas e cinestésicas: Alterações perceptivas corporais, frequentemente na esquizofrenia.
        • Cenestésicas (somáticas internas): Percepção de sensações corporais incomuns e anormais (viscerais ou somáticas atípicas).
        • Cinestésicas (funcionais): Sensação de movimento corporal passivo, gerando estranheza e aversão.
      • Alucinação autoscópica: Percepção de visualizar o próprio corpo fora dele (“experiência do duplo”). Implica coexistência de representação de si mesmo fora do corpo e consciência de estar dentro dele.
      • Alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas: Fenômenos perceptivos anormais na transição sono-vigília. Hipnagógicas: ocorrem antes de adormecer. Hipnopômpicas: ocorrem ao despertar. Podem indicar paralisia do sono, cataplexia ou catalepsia.
  • Alucinoses: Caracteriza-se pela percepção na ausência de um objeto real, mas com crítica imediata por parte do indivíduo, que reconhece o fenômeno como incomum ou patológico. Associada a lesões neurológicas, sendo de natureza orgânica. A síndrome do membro fantasma é um exemplo.
  • Pseudoalucinação: Distingue-se das alucinações verdadeiras pela ausência de projeção no espaço externo. Ocorrem exclusivamente no domínio subjetivo interno, sendo vivenciadas “dentro da cabeça” do paciente. As modalidades mais frequentes são visuais e auditivas.

Referências Bibliográficas

  1. Behar C, Perin F. Psicologia da percepção. 1. ed. Rio de Janeiro: Estácio; 2015. 122 p.
  2. Lent R. Neurociência da Mente e do Comportamento. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. 372 p.
  3. Schiffman HR. Sensação e Percepção. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC; 2005.
  4. Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências – Desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed; 2017. 974 p.