5-Hidroxitriptamina (Serotonina): Neurotransmissor, Hormônio Local e Implicações Clínicas


5-Hidroxitriptamina (Serotonina): Neurotransmissor, Hormônio Local e Implicações Clínicas


Introdução

A 5-hidroxitriptamina (5-HT), comumente conhecida como serotonina, é um composto biologicamente ativo de baixo peso molecular que desempenha papéis cruciais tanto no sistema nervoso central (SNC) quanto na periferia. Originalmente identificada em extratos intestinais (“enteramina”) e no soro (“serotonina”), sua posterior elucidação química como 5-hidroxitriptamina revelou sua função multifacetada como neurotransmissor e hormônio local, especialmente relevante no sistema vascular periférico e na função plaquetária (1).


Distribuição, Biossíntese e Degradação da 5-HT

As maiores concentrações de 5-HT são encontradas em três principais locais no organismo (1):

  • Parede do Intestino: Cerca de 90% da quantidade total de 5-HT no corpo reside nas células enterocromafins (células endócrinas) dispersas ao longo da mucosa do estômago e intestino delgado. Adicionalmente, a 5-HT pode ser encontrada em células nervosas do plexo mioentérico, onde atua como um neurotransmissor excitatório.
  • No Sangue: As plaquetas contêm elevadas concentrações de 5-HT. Elas acumulam 5-HT do plasma por meio de um sistema de transporte ativo e a liberam de seus grânulos citoplasmáticos durante a agregação, o que explica a alta concentração de 5-HT no soro do sangue coagulado.
  • No Sistema Nervoso Central (SNC): A 5-HT é um neurotransmissor no SNC, presente em altas concentrações em regiões específicas do mesencéfalo.

Embora a 5-HT possa ser ingerida via dieta, a maior parte é metabolizada antes de alcançar a corrente sanguínea sistêmica (1). A 5-HT endógena é sintetizada por uma via bioquímica similar à da norepinefrina, utilizando o triptofano como aminoácido precursor, em vez da tirosina (1). O triptofano é convertido em 5-hidroxitriptofano pela enzima hidroxilase do triptofano, que é restrita às células produtoras de 5-HT (mas ausente nas plaquetas) (1). Subsequentemente, o 5-hidroxitriptofano é descarboxilado em 5-HT pela enzima descarboxilase ácida L-aromática ubíqua, que também participa da síntese de catecolaminas e histamina (1). Plaquetas e neurônios possuem um mecanismo de recaptação de 5-HT de alta afinidade (1). Devido à semelhança entre os mecanismos de síntese, armazenamento, liberação e recaptação de 5-HT e norepinefrina, muitos fármacos afetam ambos os processos indiscriminadamente (1). A 5-HT é transportada para as células por um transportador de recaptação específico da serotonina (SERT) (1).

A degradação da 5-HT ocorre principalmente pela enzima monoamina oxidase (MAO), resultando na formação de ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA), que é subsequentemente excretado na urina (1).


Classificação dos Receptores 5-HT

As diversas ações da 5-HT são mediadas por múltiplos subtipos de receptores. Atualmente, existem cerca de 14 subtipos de receptores de 5-HT conhecidos (com um gene adicional identificado em camundongos), os quais são agrupados em sete classes (5-HT1 a 5-HT7) (1). Dentre essas classes, o receptor 5-HT3 é um canal de cátion operado por ligante, enquanto os demais são receptores acoplados à proteína G (GPCRs) (1).


Ações e Funções da 5-HT

A 5-HT exerce uma ampla gama de ações e funções fisiológicas e fisiopatológicas no organismo (1):

  • Motilidade Intestinal: Aumenta a motilidade intestinal por excitação direta da musculatura lisa e por ação indireta via neurônios entéricos.
  • Contração de Músculos Lisos: Causa contração em outros músculos lisos, como os brônquios e o útero.
  • Controle Vascular: Apresenta uma mistura de efeitos de constrição vascular (ação direta e via inervação simpática) e dilatação (dependente do endotélio).
  • Agregação Plaquetária: Induz a agregação plaquetária.
  • Estimulação Nervosa Periférica: Estimula terminações nervosas periféricas nociceptivas (sensoriais da dor).
  • Modulação Neural Central: Pode causar excitação ou inibição de neurônios no sistema nervoso central.

Outros papéis fisiológicos e fisiopatológicos postulados incluem (1):

  • Na periferia: Peristaltismo, vômitos, agregação plaquetária e hemostasia, inflamação, sensibilização de nociceptores e controle microvascular.
  • No SNC: Controle do apetite, sono, humor, alucinações, comportamento estereotipado, percepção dolorosa e vômitos.

Condições clínicas associadas a um distúrbio da 5-HT englobam enxaqueca, síndrome carcinoide, hipertensão pulmonar e alterações de humor e ansiedade (1).


Efeitos Farmacológicos da 5-HT

As ações farmacológicas da 5-HT são numerosas e complexas, com variações consideráveis entre as espécies (1).

  • Trato Gastrointestinal: Sua principal função é regular o peristaltismo, a motilidade intestinal, a secreção e a sensibilidade visceral (1). A importância da 5-HT no intestino é evidenciada por sua distribuição generalizada no sistema nervoso entérico e na mucosa intestinal. O transportador específico de captação de serotonina (SERT) remove a 5-HT extracelular, limitando sua ação (1). Consequentemente, o uso de inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS) aumenta a ação da serotonina no intestino, justificando alguns efeitos adversos comuns, como a diarreia (1).
  • Músculo Liso: Embora menos relevante em humanos, músculos como o útero e a árvore brônquica também são contraídos pela 5-HT (1).
  • Vasos Sanguíneos: Os efeitos da serotonina na vasculatura dependem de vários fatores, incluindo o tamanho dos vasos, a espécie e a atividade simpática predominante (1). A dilatação de grandes vasos intracranianos contribui para as cefaleias, enquanto a ativação de receptores 5-HT1 causa constrição, o que pode explicar a ação de fármacos antimigranosos que atuam nesses receptores (1).
  • Plaquetas: A serotonina induz a agregação plaquetária, mediada principalmente pelos receptores 5-HT2A (1). As plaquetas acumuladas no local de lesão vascular liberam 5-HT adicional. Se o endotélio vascular estiver intacto, a 5-HT liberada pelas plaquetas aderentes causa vasodilatação, auxiliando na manutenção do fluxo sanguíneo; contudo, se o endotélio estiver danificado (ex: em aterosclerose), a 5-HT pode causar constrição, restringindo ainda mais o fluxo sanguíneo (1).
  • Terminações Nervosas: A 5-HT estimula nervos nociceptivos (mediadores da dor), um efeito mediado principalmente pelos receptores 5-HT3 (1).
  • Sistema Nervoso Central (SNC): No SNC, a 5-HT atua como neurotransmissor, e muitos fármacos antipsicóticos e antidepressivos importantes exercem seus efeitos modulando essas vias (1). A 5-HT pode excitar ou inibir neurônios, e também atua pré-sinapticamente para inibir a liberação de outros neurotransmissores nos terminais nervosos, um mecanismo que pode fundamentar algumas das ações de fármacos serotoninérgicos na enxaqueca (1).

Referências Bibliográficas

  1. RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.