Sono: Fisiologia, Implicações para a Saúde e Estratégias de Intervenção
Introdução
O sono, definido como um estado de inconsciência do qual a pessoa pode ser despertada por estímulo sensorial ou outro estímulo (9), é um processo fisiológico ativo e essencial. Centros localizados abaixo da região médio-pontina do tronco cerebral parecem ser necessários para induzir o sono, inibindo outras partes do encéfalo (9). O sono desempenha um papel importante em processos fisiológicos como aprendizado, memória e cognição (2). Embora não seja totalmente compreendido, é aceito que o sono permite que o corpo se recupere do período de vigília e se prepare para o próximo (2). Postula-se que a vigília gere o acúmulo de substâncias indutoras do sono, como o peptídeo muramil (9). O sono está associado à diminuição da atividade simpática e dos níveis de catecolaminas, sendo que a perda de sono está relacionada ao aumento de uma ou ambas as variáveis (2). A serotonina é admitida como uma substância transmissora associada à produção do sono (9).
Funções Postuladas ao Sono
- Maturação neural (9)
- Facilitação do aprendizado e da memória (7, 9)
- Cognição (7, 9)
- Eliminação de produtos metabólicos de resíduos produzidos pela atividade nervosa no cérebro desperto (9)
- Conservação de energia metabólica (9)
- Funções endócrinas (10)
Estágios do Sono
O sono é um estado fisiológico e comportamental complexo, dividido em dois estados primários: Sono REM (Rapid Eye Movement) e Sono NREM (Non-Rapid Eye Movement) (2).
Sono NREM (Não-REM) ou Sono de Ondas Lentas
Corresponde ao sono profundo e restaurador, no qual as ondas cerebrais são fortes e de baixa frequência (9). É o sono predominante nas primeiras horas após várias horas de vigília (9). É excepcionalmente relaxante, associado à diminuição do tônus vascular periférico e a outras funções vegetativas do corpo (9). Nesta fase, podem ocorrer sonhos e pesadelos, mas geralmente não são lembrados devido à ausência de consolidação da memória (9). É dividido em quatro estágios associados a um progressivo aumento na profundidade do sono (2).
Sono REM (REM)
Caracterizado pela atonia muscular e sonhos, é uma condição na qual o cérebro está ativo em um corpo “paralisado” com poucos movimentos corporais (2, 9). Ocupa 25% do tempo total de sono e não é considerado o sono restaurador (9). É uma fase em que é mais difícil o despertar por estímulos sensoriais (9), pois existe uma forte inibição das áreas de controle da medula espinhal (9). O metabolismo cerebral global pode estar aumentado em até 20%, e sua atividade é similar à do estado de vigília (9). É a fase em que ocorrem sonhos vívidos (9). Geralmente dura entre 5-30 minutos, repetindo-se a cada 90 minutos, e com o passar da noite, a duração do sono REM aumenta (9). Geralmente, é a fase em que as pessoas despertam naturalmente pela manhã (9).
Qualidade e Duração do Sono
A qualidade do sono é uma medida crucial para a saúde. Algumas agências europeias utilizam 5 critérios para avaliação: latência do sono, eficiência do sono, duração, poder restaurador do sono e produtividade no dia seguinte (11). Uma medida comum para avaliar a qualidade do sono é a eficiência do sono, que é o percentual de tempo que o indivíduo passa dormindo em relação ao tempo em que estava deitado com as luzes apagadas (24), variando geralmente entre 90-95% na população adulta (24). Outra forma é avaliar a quantidade de “ondas lentas do sono” (SWS) e o sono REM (4). A SWS representa o sono profundo e tem função restaurativa (4). Ambas, SWS e sono REM, atuam na consolidação da memória (4).
Recomendações de Duração
- < 14 anos: 9-11h (12)
- > 14 anos: 8-10h (12)
Privação do Sono
O sono é considerado adequado quando não há sonolência ou disfunção durante o dia (3). Em geral, um adulto precisa de 7-8h/dia, enquanto crianças e adolescentes podem precisar de até 11h/dia (3). Na América, apenas 26% da população conseguia obter 8h de sono diário em 2005 (13). Estudos observaram que meninos são mais suscetíveis a dormir menos do que meninas (13). Indivíduos que dormem menos de 6 horas por dia possuem um risco de 13% maior na mortalidade do que aqueles que dormem entre 7-9 horas (1), tanto devido a acidentes fatais quanto a problemas crônicos associados à restrição do sono.
A privação de sono está associada a:
- Doenças crônicas como diabetes (1, 2)
- Doenças cardiovasculares (infarto do miocárdio, derrame, hipertensão) (1)
- Desordens psiquiátricas (depressão, dependência química, comportamentos suicidas) (1)
- Prejuízos no desempenho esportivo (2)
- Alterações no humor (2)
- Prejuízos no aprendizado e na memória (24)
- Desregulação do apetite e ganho de peso (2, 13, 14)
- Comprometimento da função imune (2)
- Alterações na percepção da dor (24)
- Desregulação da termorregulação (13)
A restrição total de sono possui efeitos mais severos do que a mesma quantidade de privação distribuída cronicamente ao longo de vários dias (10), embora algumas paridades tenham sido observadas em participantes submetidos a 14 dias de 4h de sono/dia (10). Há um acúmulo dos prejuízos causados pela restrição de sono com o passar dos dias (10). A hipótese de que humanos se adaptam à privação de sono não é defendida por estudos de 14 dias de privação, nos quais não houve melhora dos parâmetros avaliados, apenas piora (10). Após 14 dias de restrição de sono, os participantes relataram leve cansaço, criando uma falsa sensação de adaptação que não ocorreu nos testes de cognição e memória, cujos resultados pioraram progressivamente (10). O mecanismo proposto para explicar a progressão dos efeitos da privação do sono é o aumento dos receptores de adenosina no prosencéfalo basal em resposta à perda de sono inicial, sensibilizando o cérebro a restrições futuras (10). Postula-se que não é a falta de sono que gera prejuízos, mas o excesso de tempo acordado (10).
Insônia
Estudos demonstram que a insônia é um importante preditor de doenças e transtornos como depressão, ansiedade, abuso de álcool e psicose (7). Baixa ingestão proteica (<16%) tem sido associada a menor qualidade do sono e maior dificuldade de iniciar o sono (4), enquanto uma dieta rica em proteínas (>19%) foi associada a maior dificuldade de se manter dormindo (4).
Implicações para a Saúde e Metabolismo
Função Endócrina e Metabólica
O aumento do eixo HPA também influencia o sono, gerando um sono mais leve com maior número de interrupções (14). Além disso, não só o estresse prejudica o sono, mas o sono em si pode ser um fator estressante (14). Ocorrem alterações nos dois maiores eixos neuroendócrinos, HPA (hipotalâmico-pituitário-adrenal) e HPG (hipotalâmico-pituitário-gonadal), causando aumento da secreção de hormônios catabólicos como o cortisol, e diminuindo a secreção de hormônios anabólicos como a testosterona e o IGF-1 (2).
A restrição total do sono leva à redução da temperatura corporal, relacionada a uma diminuição da taxa metabólica pós-prandial e de repouso, que pode diminuir em até 20% no dia seguinte (18). Hormônios como norepinefrina, cortisol e tireotropina também sofrem aumentos nas 24h seguintes à restrição (14, 18), gerando influência negativa na responsividade do hormônio adrenocorticotrófico, adrenalina, noradrenalina e na sensibilidade do receptor de serotonina (5-HT) (2). Alguns estudos associaram a obesidade a uma maior duração do sono, devido a uma elevação na liberação de citocinas soporíficas, mas, ao mesmo tempo, a uma menor qualidade desse sono (13).
Sono e GH
Em homens, o pulso de GH ocorre quando o sono atinge os estágios 3 e 4 de ondas lentas (19). Se o sono é interrompido, esse pulso de GH pode ser diminuído ou não ocorrer (19). Em privação de sono, podem ocorrer pulsos aumentados de GH durante o dia, que podem interferir no metabolismo da glicose (19). A quantidade de GH liberada em 8h na cama (7h de sono) e 12h na cama (9h de sono) foi similar (19).
Sono e Cortisol
O perfil de 24h do cortisol é caracterizado por níveis máximos pela manhã, com declínio ao longo do dia, sendo o período da tarde e o início da noite o período de menor valor (quiescente), seguido por um aumento abrupto no final da noite (19). O “acordar” induz um pulso na secreção de cortisol (19).
Sono e Hormônios do Apetite
Tanto a grelina quanto a leptina são influenciadas pelo sono (19). O perfil de leptina humana, embora dependente da ingestão de alimentos, apresenta valores mínimos pela manhã, com tendência de aumento ao longo do dia, culminando em valores máximos à noite (19). Os níveis de grelina diminuem rapidamente após uma refeição, recuperando-se no período anterior às próximas refeições (19), com valores mais elevados à noite (19). Contudo, durante a madrugada, os níveis de grelina diminuem, e a leptina continua aumentando, sugerindo um efeito inibitório do sono sobre a grelina, provavelmente para inibir a fome durante o jejum do sono (19).
Diversos estudos já mostraram que a privação de sono é capaz de diminuir a leptina (hormônio da saciedade) e aumentar a grelina (hormônio responsável pela hiperfagia e pela diminuição do gasto energético), além de influenciar os níveis de GLP-1 (2, 12, 13, 14, 18). Dessa forma, observa-se um maior apetite, ao mesmo tempo em que há menos saciedade. Além disso, dormir mal também promove uma maior atividade de áreas cerebrais relacionadas à recompensa alimentar, que, somada a um maior apetite, propicia uma maior busca por alimentos hedônicos. Na privação de sono (2 dias com 4h de sono), foi observada uma redução de 18% nos níveis de leptina ao longo do dia e um aumento de 28% nos níveis de grelina (19), com aumento no consumo de carboidratos de 32% (19).
Sono e Glicemia
Durante o sono, apesar do tempo prolongado de jejum, os níveis de glicose ficam estáveis ou diminuem minimamente, diferentemente de quando o jejum é realizado no período acordado (19). A privação de sono pode aumentar o risco para obesidade e diabetes (3, 19, 22). Dentre os potenciais mecanismos, incluem-se a alteração na regulação da glicose pela resistência à insulina, onde a privação pode diminuir o metabolismo da glicose entre 30 e 40% (2, 5, 19), e pela desregulação neuroendócrina do controle do apetite e ingestão calórica (2, 19). A exposição à luz à noite é capaz de desregular os relógios circadianos nas ilhotas pancreáticas, levando a uma diminuição da secreção de insulina (22). Isso é considerado um dos mecanismos pelos quais a desregulação do ciclo circadiano pode levar à piora do Diabetes Mellitus tipo 2 (22). Após a privação total do sono por um dia, houve um aumento na concentração de glicose pós-prandial, indicando alterações no metabolismo da glicose e maior intolerância a ela (18). Foi visto também que a privação de sono gerou um aumento nos índices HOMA, demonstrando o aumento da resistência à insulina (19).
Sono e Composição Corporal
Disruptores circadianos, ao promoverem o desalinhamento do ciclo circadiano, proporcionam um aumento no risco de condições patológicas. Além disso, favorecem um depósito exacerbado e ectópico de gordura, elevando o risco de obesidade e suas problemáticas. Um estudo demonstrou que idosos com baixa qualidade de sono apresentavam pior composição corporal (menos massa magra apendicular e maior percentual de gordura), além de menor força e piores escores de ansiedade, depressão e qualidade de vida, comparados a pares com sono de boa qualidade.
Saúde Mental e Imunidade
Desordens Psiquiátricas
Já é bem evidenciado que o estresse crônico tem um importante papel em diversas desordens psiquiátricas (20). Alguns estudos indicam que uma baixa qualidade de sono é associada a uma atenuação do cortisol e a uma resposta exagerada a estressores psicossociais (20). A vigília prolongada está, em geral, associada ao funcionamento anormal do processo do pensamento, podendo causar atividades comportamentais anormais, aumentando as chances de irritabilidade ou até psicose (9). Distúrbios do sono têm sido consistentemente demonstrados como um robusto preditor do desenvolvimento de depressão e ansiedade (6, 20).
Imunidade e Inflamação
Diversas evidências sugerem que a privação de sono pode ter efeitos na função imune e que a função imune responde a feedbacks baseados na arquitetura do sono (2). Dormir melhora a resposta imune, e a maioria das células imunes tem seu pico de atividade pró-inflamatória durante a noite (2). A quebra do ciclo circadiano gerada pela privação de sono pode resultar em prejuízo na resposta imune, aumentando o risco para doenças (2). Marcadores de inflamação aguda como IL-1β, TNFα, IL-6 e PCR são influenciados pela manipulação do sono (2). Um sono com duração menor do que 7h foi associado a uma função 49% maior das células T a um antígeno e uma função 30% menor de atividade das células assassinas quando comparados a um sono normal (2). Embora as implicações da alta atividade das células T não sejam claras, sugere-se que isso possa estar relacionado a doenças autoimunes ou a uma inflamação sistêmica de baixo grau (2). Aumentar o sono de 8 para 10h ou uma soneca de 30min depois de uma noite de privação de sono (privação de 2h) foram capazes de retornar os leucócitos a seus valores normais. A medição do cortisol salivar também retornou ao normal após a soneca (2).
Estratégias de Intervenção para o Sono
Recomendações Nutricionais
- Tipo de refeição / Crononutrição: Refeições sólidas aumentaram a latência do sono, enquanto refeições líquidas geraram menos efeitos (2). Recomenda-se que refeições sólidas sejam feitas pelo menos 4h antes do horário de dormir, e refeições líquidas pelo menos 1h antes (2). Outros estudos, contudo, encontraram que refeições sólidas diminuem a latência do sono por até 3h após seu consumo (24). Comer à noite influencia negativamente a qualidade do sono, mecanismo mediado pelo desconforto gastrointestinal devido à atividade digestiva reduzida (4). Autores suportam a ideia da crononutrição, na qual a hora do dia em que cada alimento é ingerido interfere nos ritmos biológicos, como o sono e a vigília (2).
- Ajuste calórico: A restrição calórica parece afetar a qualidade do sono; quando a ingestão calórica total diminui, há uma diminuição na qualidade do sono (2, 5, 24).
- Macronutrientes:
- Carboidratos: Dietas altas em carboidratos resultaram em menor latência do sono (2, 24). O consumo de carboidratos dentro de 1h antes do sono melhora a qualidade e diminui a propensão à vigília (24). Refeições ricas em carboidratos geraram aumento no sono REM, diminuindo o sono “leve” e a vigília (2, 3). O índice glicêmico é um fator, com refeições de maior índice glicêmico diminuindo a latência do sono (24).
- Proteínas: Dietas ricas em proteínas resultaram em menos despertares noturnos (2, 24). Refeições ricas em proteínas podem aumentar o nível de alerta do indivíduo (3).
- Gorduras: Dietas ricas em gordura foram negativamente associadas ao tempo de sono (2, 24).
- Micronutrientes: Pesquisadores encontraram uma série de neurotransmissores relacionados com o ciclo do sono, como serotonina (5-HT), GABA, orexina, hormônio concentrador de melanina, colinérgico, galanina, noradrenalina e histamina (2). Intervenções que atuem nesses neurotransmissores podem afetar o sono (2).
- Vitamina D (+): Níveis de vitamina D estão associados a melhor eficiência e qualidade do sono. Indivíduos deficientes, quando suplementados, melhoraram a latência e a duração do sono (4).
- Vitamina B12 (+): Um pequeno estudo cross-over mostrou que a vitamina B12 é capaz de afetar a melatonina plasmática, contribuindo indiretamente no ciclo circadiano (4).
- Niacina (B3) (+): Pode ser sintetizada através do triptofano (TRP). Especula-se que a suplementação de B3 “pouparia” TRP para a via da serotonina e melatonina (3). A vitamina B3 está relacionada com a saúde mitocondrial e produção de energia, sendo uma “prioridade” para o corpo.
- Magnésio (+): A suplementação de magnésio pode melhorar a qualidade e quantidade do sono (3). Acredita-se que exerça esse efeito devido ao seu papel estimulador da glândula pineal em enzimas chaves na produção de melatonina, além de ser um agonista do GABA (principal neurotransmissor inibidor do SNC) (3).
- Ácido Fólico (+): A deficiência de ácido fólico é uma possível causa para a insônia.
- Triptofano (+): A síntese de 5-HT é dependente da disponibilidade de TRP no cérebro (2, 3, 24). O consumo de carboidratos à noite aumenta os níveis de TRP no cérebro através da estimulação da entrada de LNAA no músculo esquelético, causada pela insulina, aumentando o TRP livre (2, 3, 24). A suplementação pode diminuir a latência e aumentar a qualidade subjetiva do sono (2). A melatonina influencia o ciclo sono/vigília, e diversas estratégias nutricionais podem aumentar os níveis de melatonina através da manipulação do TRP (2). É necessário atentar para vitaminas como B12 e B6, essenciais na via de transformação do TRP em melatonina (3). Doses pequenas de triptofano (até 1g) podem melhorar a latência e a qualidade do sono (24).
- Melatonina (+): Exerce importante papel no sono e ciclo vigília/sono (23), liberada pela glândula pineal, transmitindo informação acerca do ciclo claro/escuro, influenciando o sono e diminuindo a temperatura corporal (23, 24). Embora não haja evidências de sua efetividade na maioria das desordens do sono (2), seu uso indiscriminado pode gerar efeitos colaterais como dor de cabeça, náusea, sonolência, pesadelos e sonhos vívidos (2). Propôs-se que a melatonina possa ser utilizada em obesos, que frequentemente perdem a ritmicidade circadiana (8). Uma meta-análise encontrou diminuição de 7 minutos na latência do sono e segurança no curto prazo (24). Doses de 0,1 a 1 mg/dia ou 100-1000 µg/dia são usualmente recomendadas.
- Kiwis (+): O consumo de 2 kiwis 1h antes de dormir aumentou o tempo total e a eficiência do sono em um estudo de 4 semanas (4, 6). Os mecanismos propostos são a presença de antioxidantes, elevada concentração de serotonina e folato (4, 6).
- Cerejas azedas: O suco de cereja 2x ao dia obteve efeitos significativos na promoção do sono (3, 4).
- Probióticos (+): Existem evidências de que a microbiota afeta a regulação do sono e do estado mental (7). Contudo, estudos não encontraram efeitos positivos entre a suplementação de probióticos e a qualidade do sono (3).
- Álcool (+): Embora exerça efeito sedativo, no longo prazo não é eficiente, podendo gerar tolerância, dependência, e exacerbar condições como refluxo gastroesofágico, apneia do sono e aumento da frequência urinária (6).
Fitoterapia
- Valeriana ( Valeriana officinalis ) (+): É uma planta de prescrição médica e o suplemento herbal mais vendido no mundo para a insônia (23). Liga-se aos receptores GABA-A, regulando a excitabilidade do sistema nervoso e gerando efeito calmante (2, 24). Uma meta-análise encontrou melhora subjetiva da qualidade do sono (24). Pode causar sonolência diurna, tontura e reações alérgicas (24).
- Camomila ( Matricaria Recutita ) (+): Planta herbácea com atividade anti-inflamatória, antisséptica e antiespasmódica, além de efeito sedativo (pós). Seu efeito sedativo ocorre pela ação nos receptores GABAa no cérebro, similar aos benzodiazepínicos (23).
- Mulungu + Passiflora + Camomila: A combinação pode ser benéfica.
- Chás Interessantes: Camomila, Valeriana, Passiflora, Mulungu, Erva-doce, Capim Cidreira.
Outras Orientações Importantes
- Bloqueio da luz azul das telas: A luz artificial com ondas entre 460-480 nm (luz azul) atua como um poderoso sinal de vigília (8). A luz vermelha possui impacto reduzido nos receptores de melatonina, estimulando menos o estado de vigília (8). A luz azul pode melhorar a atenção, tempo de reação e humor, enquanto a luz vermelha pode melhorar a qualidade do sono (8). A exposição a telas (televisões, tablets, smartphones) suprime a secreção de melatonina, atrasando o início do sono (21). A presença de mais de duas telas no quarto e maior tempo de televisão são associados a menor qualidade de sono (12). Além da luz, a excitação e o estímulo gerado dificultam o sono (21). Há uma preocupação com os efeitos do campo magnético emitido pelo celular no eletroencefalograma e na liberação da melatonina (21). No entanto, é questionável se o uso do celular à noite é causa ou consequência da perda de sono (21).
- Higiene do sono: Melhora a qualidade e o tempo de sono, consequentemente melhorando o desempenho no exercício, trabalho e/ou estudos.
Sono e Aspectos Comportamentais / Ambientais
Sono e Dieta
A alimentação inadequada no período da noite pode estar relacionada a uma menor duração do sono e atrasar o início do mesmo (12). O atraso no início do sono foi relacionado a uma piora na qualidade e no tempo do café da manhã (12). A maioria dos jovens que pulam essa refeição tende a ter uma pior qualidade de alimentação durante todo o dia (12). Menor qualidade e/ou quantidade de sono gerou um maior desejo por açúcar e gordura (12). Adolescentes com maior tempo de sono apresentaram menor desejo por doces (12).
Além da diminuição dos desejos, sonos mais longos foram associados a um menor IMC (12), talvez porque a privação do sono e a ida tardia para a cama são associadas a um maior consumo de calorias (pelo maior tempo em vigília e atividades sedentárias) (13). Em adultos, maior quantidade de sono foi associada a menor IMC (13). Estudos mostram uma curva em U para o IMC, com o menor IMC associado a 7 a 8 horas de sono por dia (13). Em crianças e adolescentes, a privação do sono foi responsável por uma taxa de risco de quase 3x para obesidade, afetando principalmente aqueles que dormiam menos de 8h (13). Um possível mecanismo é que o sono insuficiente afeta o desenvolvimento do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal, responsável pelo controle do desejo alimentar (12).
Em estudos passados, adolescentes com qualidade de sono melhorada apresentaram melhora na dieta, enquanto aqueles com piora no sono, o contrário (12). Outra associação encontrada foi entre o hábito regular de “lanchinhos” e uma menor duração do sono (3, 4). Estudos demonstraram que moduladores de apetite como CCK, grelina e PYY também apresentam efeitos significativos no sono (3). A liberação pós-prandial de CCK induziu sonolência em adultos 2-3 horas após o consumo de uma refeição rica em gordura (3). Acredita-se em uma relação entre PYY e serotonina, embora o mecanismo não seja claro; PYY é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica, atuando diretamente no SNC (3).
As mudanças na ingestão energética advindas da privação do sono são acompanhadas de uma má distribuição dos nutrientes necessários, com escolhas alimentares geralmente limitadas, sendo um potencial risco de disbiose. Estudos demonstram que uma dieta rica em gorduras está associada a distúrbios do sono, enquanto uma dieta de padrão mediterrâneo está associada a menos problemas relativos ao sono (7). Estudos observacionais associaram o consumo de peixes e vegetais a uma boa qualidade de sono (4). Além da quantidade de carboidratos, a qualidade pode influenciar o sono (4).
Trabalho e Sono
Trabalhadores descansados faltam menos ao trabalho, realizam melhor, sofrem menos acidentes, tomam decisões melhores e interagem de forma mais positiva (1).
Troca de Turnos (Shift Work)
Trabalhadores de turno “trocado” sofrem maior risco para problemas cardiovasculares e metabólicos, sendo essa troca de turno considerada carcinogênica (1). Outro estudo encontrou que o trabalho noturno aumenta o risco de sobrepeso ou obesidade em 23%, existindo um risco ainda maior de 35% de desenvolver obesidade abdominal (22). Uma noite de trabalho noturno foi capaz de diminuir o gasto de energia em 3%, indicando desregulação metabólica (22). Ser ativo durante o período que seriam horas de sono gera mudanças comportamentais que podem levar ao ganho de peso, incluindo horário e quantidade de comida, tipo de comida e nível de atividade física (22). Recentemente, diversos estudos associam o trabalho em turno trocado a um aumento no risco para diversos tipos de cânceres (22). Um estudo populacional encontrou um risco aumentado para câncer de próstata, cólon, bexiga, reto, pâncreas e pulmão em homens, e em mulheres, aumento no risco de câncer ovariano, de mama, melanoma e carcinoma de células escamosas (22). Uma meta-análise mostrou que mulheres expostas à luz durante a noite têm risco aumentado para câncer de mama em até 50% (22).
Luz e Sono
Já se sabe que a luz do dia é um importante fator regulador de atividades nos animais (22). Alguns estudos têm associado os níveis de luz à noite às taxas de obesidade no mundo (22). Estudos demonstram que a presença de luz à noite é capaz de interferir no sistema endócrino (22).
Sono e Desempenho Físico
O sono é considerado o padrão ouro de recuperação pós-exercícios para atletas (5). Postula-se que o sono profundo (SWS) é um importante fator na recuperação de atletas (2). Estudos mostraram sincronização do GH com o SWS, sugerindo que as condições ótimas para o anabolismo ocorrem durante o sono, e que a duração do SWS é proporcional à vigília do dia anterior (2). O aumento no tempo total de sono, do SWS e do estágio 4 de sono após estresse metabólico (exercício) apoia a teoria de que o sono é essencial na recuperação de atletas (2). Durante o sono, os músculos estão em relaxamento completo, permitindo restauração efetiva das miofibras (5). Ocorre liberação do GH, estimulando a síntese proteica e interferindo ativamente em músculos, saúde óssea, reparação e adaptação ao exercício (5).
Estudos mostraram que em atletas de alto nível, o aumento do nível de treinamento, que teoricamente exigiria maior tempo de recuperação, pode causar distúrbios no sono (5). Em provas de maratona que duram mais de um dia, o tempo dormindo é mais longo do que em dias sem a prova (2). A privação de sono tem se demonstrado um forte fator para a queda do rendimento esportivo de atletas (2, 24). É possível que a privação de sono seja responsável por um aumento na predisposição para injúrias devido à baixa concentração, execução ruim de tarefas e maior tempo de reação (2). A privação de sono parcial teve maior impacto em tarefas que dependiam de resposta rápida, embora as funções motoras brutas também fossem afetadas (2). Após 36h de privação total de sono, a capacidade aeróbia de ciclistas foi afetada, assim como a capacidade isocinética, que reduziu significativamente (2). Em atividades de endurance, 24h de privação já foram suficientes para reduzir a performance (2). Esforços submáximos de longa duração são mais afetados do que esforços máximos (2). Alguns estudos não encontraram fatores fisiológicos para a redução do desempenho físico, acreditando que essa redução se deve à maior percepção de esforço pós-privação (2). Evidências recentes sugerem que a privação de sono também pode causar ou modular aguda e cronicamente a dor, gerando um ciclo em que um aumenta o outro (2).
A higiene do sono pode ser útil para melhorar a qualidade e o tempo de sono, consequentemente melhorando o desempenho. Um estudo em atletas mostrou que a extensão do período de sono foi capaz de aumentar o vigor e diminuir a sensação de fadiga, assim como melhorar o humor desses atletas (2). Sonecas de 30 min entre treinos ou pós-almoço mostraram aumento na sensação de alerta, melhora na cognição, melhora no aprendizado e redução de cansaço durante o dia (2). Atletas tendem a ter maiores problemas de sono principalmente antes de competições importantes (2). Atletas que competem à noite possuem maior dificuldade para dormir (2). O exercício físico serve como um sincronizador não fótico para o ciclo circadiano em humanos e ratos (8). A prática regular de exercícios físicos foi associada a melhora na qualidade do sono e menor cansaço durante o dia (8). No entanto, treinamentos muito intensos podem gerar prejuízos, talvez pela combinação do estresse fisiológico e psicológico, resultando na diminuição do tempo de sono ou na qualidade (5).
Intervenções Farmacológicas
O uso de benzodiazepínicos e não benzodiazepínicos é efetivo na manutenção do sono no curto prazo, porém apresentam efeitos colaterais como sonolência diurna, prejuízos cognitivos, dependência e insônia de rebote (6).
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