Supercrescimento Bacteriano do Intestino Delgado (SIBO): Fisiopatologia, Diagnóstico e Manejo


Supercrescimento Bacteriano do Intestino Delgado (SIBO): Fisiopatologia, Diagnóstico e Manejo


Introdução

O Supercrescimento Bacteriano do Intestino Delgado (SIBO) é uma condição caracterizada pelo aumento da proliferação e/ou alteração do tipo de microrganismos no intestino delgado. Embora toda SIBO seja uma disbiose, nem toda disbiose intestinal se configura como SIBO. Sua complexidade exige uma abordagem diagnóstica e terapêutica multifacetada.


Fisiopatologia

A SIBO é definida pelo aumento da taxa de sobrevivência e crescimento de microrganismos no intestino delgado, que pode incluir alterações no tipo de bactéria presente (1, 3). Quando a SIBO envolve bactérias Gram-negativas, pode ocorrer um aumento da permeabilidade intestinal, levando a uma endotoxemia metabólica devido à entrada de lipopolissacarídeos (LPS) no organismo.

O organismo possui diversos mecanismos de defesa endógenos para prevenir esse supercrescimento bacteriano, como: secreção ácida estomacal, motilidade intestinal, válvula ileocecal, imunoglobulinas e secreção da bile e do suco pancreático (1). O LPS, ao ser um agonista de TLR4, ativa caspases no fígado, iniciando o inflamassoma, que aumenta a lipogênese hepática e está relacionado tanto à esteatose hepática quanto à resistência à insulina.


Fatores de Risco

Diversos fatores podem predispor ao desenvolvimento da SIBO:

  • Distúrbios dos mecanismos protetivos antimicrobianos: Acloridria (baixa acidez gástrica), insuficiência pancreática e síndromes de imunodeficiência (1-3).
  • Anormalidades anatômicas: Síndrome do intestino curto, cirurgias bariátricas (1-3).
  • Distúrbios na motilidade intestinal (1-3).
  • Idade: Pessoas mais velhas tendem a apresentar hipocloridria e alterações na motilidade intestinal devido ao envelhecimento, efeitos que podem ser agravados pelo uso de medicamentos (3).
  • Doenças do intestino delgado: Doença inflamatória intestinal, doença celíaca, entre outras (2).

Sinais e Sintomas

Os sinais e sintomas da SIBO são variados e muitas vezes inespecíficos, o que dificulta o diagnóstico. Incluem:

  • Inchaço e flatulências (1)
  • Diarreia (1)
  • Má absorção de nutrientes e desnutrição (1)
  • Perda de peso (1)
  • Dores articulares
  • Fadiga
  • Acne / Rosácea
  • Depressão
  • Náuseas

Diarreia

A diarreia é um sintoma comum na SIBO e pode ser explicada por quatro fatores principais (3):

  1. Diarreia osmótica: Promovida pela rápida digestão de carboidratos, com consequente produção de produtos osmoticamente ativos.
  2. Lesões na mucosa intestinal: Contribuem para o quadro de má absorção.
  3. Deficiência de lactase: Desencadeada pela injúria à borda em escova, levando à intolerância à lactose.
  4. Desconjugação dos sais biliares pelas bactérias: Altera a absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis.

Diagnóstico

A prevalência da SIBO ainda não é completamente conhecida (1-3). No entanto, é mandatório considerar a SIBO em todos os casos de queixas gastrointestinais complexas e não específicas (1). Atualmente, não existe um teste diagnóstico devidamente validado e padronizado para SIBO (3).

Aspiração Jejunal

Considerado o padrão-ouro para o diagnóstico de SIBO, a investigação microbiana por meio da aspiração jejunal (1). A maioria dos pesquisadores considera como critério diagnóstico para SIBO valores ≥105 UFC por mL de aspiração do jejuno (1, 2). Contudo, esses valores são controversos, com alguns autores defendendo o diagnóstico de SIBO com valores ≥1×103 UFC (3). O valor normal seria ≤104 UFC (1), mas há autores que sugerem que o valor normal seria <103 UFC (3). Devido às suas limitações e custo, a aspiração jejunal não é amplamente utilizada na prática clínica (3).

Teste Respiratório

Existem testes respiratórios de hidrogênio e metano. Após a administração de glicose ou lactulose, espera-se um pico desses gases devido à elevada fermentação microbiana (1, 2). Segundo a maioria dos autores, um valor ≥20 ppm é o cut-off para o diagnóstico (1, 3). Valores entre 10-20 ppm são considerados uma “zona cinzenta”. O teste de hidrogênio é geralmente mais acurado do que o de metano (1). O teste baseia-se no princípio de que a fermentação anaeróbia de carboidratos é a única fonte de hidrogênio no organismo (3). O teste deve ser realizado em jejum de 12 horas, com baixo consumo de fibras no dia anterior (3).


Alterações Bioquímicas Associadas

Pacientes com SIBO podem apresentar as seguintes alterações bioquímicas:

  • Anemia (1)
  • Vitamina B12 (diminuída) (1)
  • Transferrina (diminuída) (1)
  • Vitamina K (aumentada)
  • Folato (aumentado)

Associações Clínicas

SIBO e Síndrome do Intestino Irritável (SII)

A associação mais comum da SIBO é com a Síndrome do Intestino Irritável (SII) (3). A prevalência de SIBO em pacientes que preenchem todos os critérios diagnósticos para SII varia entre 30-85% (1). Existem duas teorias principais que correlacionam SIBO e SII:

  1. A SIBO acomete a pessoa antes da SII.
  2. A SII, devido a distúrbios de motilidade e hipersensibilidade, é a responsável pela SIBO (1). Autores que apoiam essa hipótese acreditam que a SIBO não se relaciona com o desenvolvimento da SII (1).

SIBO e Doença Celíaca

A prevalência de SIBO em pacientes celíacos que não respondem à dieta sem glúten é superior a 50% (1). Entre 9-55% dos pacientes celíacos são diagnosticados com SIBO, sendo ela considerada uma complicação da doença celíaca (1).

Inibidores da Bomba de Prótons (IBP)

A supressão crônica do ácido clorídrico gástrico pelos IBPs está associada a alterações no ambiente intestinal, promovendo o crescimento da flora bacteriana intestinal (4). A hipocloridria induzida pelo uso crônico de IBPs pode, além de propiciar maior supercrescimento bacteriano, acelerar o trânsito intestinal (1, 3). A redução do ácido estomacal também pode levar à translocação de bactérias orais para o intestino (3). Os IBPs reduzem a digestibilidade proteica, aumentando a sobrevivência de bactérias que consomem proteínas, como as proteobactérias Gram-negativas, que contribuem para o aumento da endotoxemia no organismo.

Motilidade Intestinal

A motilidade intestinal diminuída (em indivíduos constipados) é capaz de propiciar a SIBO. Uma motilidade alterada pode estar relacionada à β-caseomorfina ou à β-gliadina. Medicamentos opioides podem causar uma queda no trânsito intestinal, sendo este um fator de risco para SIBO.

SIBO e Esteatose Hepática Não Alcoólica (NAFLD)

Estudos recentes demonstram um papel da SIBO na Doença do Fígado Gorduroso Não Alcoólico (NAFLD) (2). Algumas pesquisas identificaram vias envolvendo bactérias e o TLR-4, além de citocinas pró-inflamatórias como o TNF-α, principalmente devido à exposição ao LPS (2). A ativação do inflamassoma pela SIBO gera um aumento na lipogênese hepática.


Tratamento

O tratamento da SIBO é multifacetado e baseia-se em três etapas principais (3):

  1. Tratamento da patologia coadjuvante subjacente.
  2. Erradicação do supercrescimento bacteriano e dos fatores que contribuem para ele.
  3. Ajuste de possíveis deficiências nutricionais.

Tratamento Médico: Farmacologia

  • Antibióticos: Não existe uma padronização definida quanto à dose, duração e escolha do antibiótico (1, 3). A rifaximina ganhou popularidade devido à sua baixa absorção sistêmica, poucos efeitos colaterais e poucas evidências de resistência (2, 3). Doses de rifaximina de 1200-1600 mg/dia (maior que a dose padrão) têm sido utilizadas (1). Outros antibióticos incluem Ciprofloxacin (3), Norfloxacin (3) e Amoxicilina/Clavulanato (3).
  • Inibidores da Bomba de Prótons (IBPs): Devido aos seus efeitos colaterais de longo prazo, é interessante reduzir e, se possível, cessar o consumo de IBPs visando um maior controle bacteriano através do ácido clorídrico (3, 4).
  • Motilidade Intestinal: Medicamentos que afetam negativamente a motilidade intestinal podem piorar o quadro, sendo necessário avaliar seus efeitos (3).

Terapia Nutricional: Orientações e Suplementação

  • Lactose: Em diversos casos, pode ser interessante a retirada da lactose da dieta, visando a diminuição de carboidratos fermentáveis (3).
  • Ajuste de FODMAPs: A dieta com baixo teor de FODMAPs (Fermentable Oligo-, Di-, Mono-saccharides And Polyols) pode ser útil para reduzir a fermentação e os sintomas.
  • Probióticos: O uso de probióticos pode ser interessante após o início do uso de antibióticos. Contudo, é necessário cuidado, pois o objetivo não é aumentar indiscriminadamente a quantidade de bactérias no intestino, mas sim melhorar a qualidade e a diversidade da microbiota (ex: espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium).

Referências Bibliográficas

  1. Bures, J. et al. Small intestinal bacterial overgrowth syndrome. World Journal of Gastroenterology, v. 16, n. 24, p. 2978–2990, 2010.
  2. Quigley, E. M. M. The Spectrum of Small Intestinal Bacterial Overgrowth (SIBO). Current Gastroenterology Reports, v. 21, n. 1, 2019.
  3. Sachdev, A. H.; Pimentel, M. Gastrointestinal bacterial overgrowth: Pathogenesis and clinical significance. Therapeutic Advances in Chronic Disease, v. 4, n. 5, p. 223–231, 2013.
  4. Lo, W. K.; Chan, W. W. Proton Pump Inhibitor Use and the Risk of Small Intestinal Bacterial Overgrowth: A Meta-analysis. Clinical Gastroenterology and Hepatology, v. 11, n. 5, p. 483–490, 2013.

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