Tabagismo: Impacto na Saúde, Fisiologia e Estratégias de Cessação


Tabagismo: Impacto na Saúde, Fisiologia e Estratégias de Cessação


Introdução

O tabagismo representa a principal causa evitável de morbidade, mortalidade e empobrecimento em escala global (2). Estima-se que o tabaco seja responsável por mais de 7 milhões de óbitos anualmente e, a longo prazo, cause a morte de metade de seus usuários (2).


Fisiologia e Farmacologia da Nicotina

A nicotina é o principal componente psicoativo do tabaco.

Efeitos no Sistema Nervoso Central (SNC)

A nível neuronal, a nicotina interage com os receptores nicotínicos da acetilcolina (nAChR), amplamente distribuídos no cérebro, com particular expressão no córtex e hipocampo, onde se acredita que desempenham um papel na função cognitiva (1).

A nicotina também atua na área tegmental ventral (VTA), que projeta neurônios dopaminérgicos para o núcleo accumbens (via da recompensa) (1). Foi observado que a nicotina aumenta as taxas de disparo e a atividade fásica dos neurônios dopaminérgicos VTA (1).

Em modelos animais, a nicotina ativa e subsequentemente dessensibiliza esses receptores, resultando em redução dos efeitos após exposição continuada (1). Contudo, a administração crônica induz um aumento substancial no número de nAChR, o que pode ser uma resposta adaptativa à dessensibilização prolongada do receptor (1).

Outro efeito da nicotina no “funcionamento cerebral” é refletido no estado subjetivo de alerta ou no padrão de eletroencefalografia (EEG), que pode ser influenciado pela nicotina de acordo com a dose e as circunstâncias (1), podendo despertar indivíduos sonolentos e acalmá-los quando tensos (1). Pequenas doses tendem a gerar um efeito estimulante, enquanto doses maiores exercem um efeito oposto (1). No entanto, em humanos, diferentemente do observado em animais, a nicotina demonstra um fraco efeito anestésico (1).

Efeitos Periféricos

Os efeitos periféricos da nicotina decorrem da estimulação dos gânglios autonômicos e dos receptores sensoriais periféricos, principalmente no coração e pulmão (1). Essa estimulação resulta em taquicardia, aumento do débito cardíaco e da pressão arterial, sudorese e redução da motilidade gastrointestinal (1). A estimulação gástrica é a provável causa das náuseas experimentadas por alguns indivíduos na primeira exposição à nicotina (1).

Os efeitos periféricos diminuem com a repetição das doses, enquanto os efeitos centrais persistem (1). A secreção de epinefrina e norepinefrina pela medula adrenal contribui para os efeitos cardiovasculares (1). A liberação de hormônio antidiurético pela neuro-hipófise leva à diminuição do fluxo urinário (1). Adicionalmente, a concentração plasmática de ácidos graxos livres pode aumentar devido à estimulação simpática e secreção de epinefrina (1).

Aspectos Farmacocinéticos da Nicotina

A nicotina é rapidamente absorvida nos pulmões, mas mais lentamente pela boca e nasofaringe (1). Um cigarro comum fumado em cerca de 10 minutos eleva a concentração plasmática de nicotina de 15 para 30 ng/mL (ou de 100 para 200 nmol/L), caindo pela metade em 10 minutos e, subsequentemente, diminuindo de forma mais lenta (1). Esse rápido declínio inicial é resultado principalmente da redistribuição entre o sangue e outros tecidos, enquanto a queda mais lenta se deve ao metabolismo hepático, primariamente por oxidação a cotinina, um metabólito cetônico inativo (1).

Cigarros Eletrônicos

Os cigarros eletrônicos funcionam aquecendo um líquido, geralmente propilenoglicol e glicerina, para gerar um vapor que contém nicotina (1). Embora novos dispositivos eletrônicos tenham sido desenvolvidos para fornecer mais nicotina, eles ainda fornecem uma quantidade menor do que o cigarro tradicional (1).

Adesivos Transdérmicos

Os adesivos transdérmicos de nicotina, quando aplicados por 24 horas, elevam a concentração plasmática de nicotina para 75-150 nmol/L nas primeiras seis horas, mantendo-se constante pelas 20 horas seguintes (1).


Tolerância e Dependência

Três processos contribuem para o estado geral de dependência, no qual o uso da droga se torna compulsivo: tolerância, dependência psicológica e dependência física (1).

A tolerância à nicotina desenvolve-se rapidamente, provavelmente como resultado da dessensibilização dos nAChR (1). É importante ressaltar que a tolerância aos efeitos centrais da nicotina (ex: excitação) é muito menor do que aos efeitos periféricos (1).

Parte da capacidade da nicotina de induzir o vício também se atribui ao ritual de uso (1). Estudos sugerem que é improvável que seres humanos se tornem viciados em nicotina quando administrada por meio de adesivos (1), o que indica a influência de fatores além da nicotina em si (1).

Entretanto, a nicotina de fato causa a excitação da via mesolímbica da recompensa, com aumento da liberação de dopamina no núcleo accumbens (1). A autoadministração de nicotina tem sido observada em estudos com animais (1). É crucial notar que a tendência ao vício pode ser genética (2). A ligação entre suscetibilidade genética e probabilidade de adição é mais forte para aqueles que iniciaram o tabagismo precocemente (2).

Síndrome de Abstinência

Ao interromper o consumo de nicotina, ocorre a síndrome de abstinência, cujas principais características são:

  • Aumento da irritabilidade (1)
  • Dificuldade no desempenho de tarefas psicomotoras (1)
  • Agressividade (1)
  • Transtornos do sono (1)

A síndrome de abstinência à nicotina é consideravelmente mais branda do que a observada em usuários de opioides, e pode ser amenizada com a reposição de nicotina (1). Geralmente, os sintomas agudos duram cerca de 2-3 semanas, mas o desejo intenso por cigarros (fissura) pode persistir por muito mais tempo, sendo a principal causa de recaídas após a remissão da síndrome (1). As tentativas de cessação tabágica a longo prazo são bem-sucedidas em apenas 20% dos casos (1).

Cessação do Tabagismo e Ganho de Peso

A cessação tabágica frequentemente resulta em ganho de peso, atribuído ao aumento da ingestão alimentar (1).


Efeitos Nocivos do Tabagismo na Saúde

O tabagismo é, de longe, a maior causa evitável de morte, sendo responsável por aproximadamente 1 em cada 10 óbitos de adultos globalmente (1).

Principais riscos à saúde associados ao tabagismo incluem:

  • Câncer: O tabagismo é responsável por 90% das mortes por câncer de pulmão (1). Contribui significativamente para cânceres do trato respiratório superior, esôfago, pâncreas e bexiga (1). Fumar 20 cigarros/dia aumenta em 10 vezes o risco de desenvolvimento de câncer (1). Cerca de um terço das mortes por câncer podem ser associadas ao fumo (1).
  • Doença cardíaca e coronariana e outras formas de doença vascular periférica (1).
  • Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC): O fumo é a principal causa da DPOC (1).
  • Gravidez: Principalmente na segunda metade da gestação, o tabagismo causa redução do peso ao nascer e aumenta a mortalidade perinatal (1). Há evidências de que crianças nascidas de mães fumantes sofrem prejuízos no desenvolvimento físico e mental por pelo menos 7 anos (1).

Principais Componentes Responsáveis pelos Efeitos Danosos

Os principais responsáveis pelos efeitos deletérios à saúde são:

  • Alcatrão e irritantes: Dióxido de nitrogênio, formaldeído e hidrocarbonetos presentes na fumaça do cigarro são conhecidos carcinógenos (1).
  • Nicotina: Possivelmente responsável pelo atraso no desenvolvimento fetal devido às suas propriedades vasoconstritoras (1).
  • Monóxido de carbono: Compõe 3% da fumaça (1).
  • Estresse oxidativo: Aumentado pelo fumo (1).

Tabagismo e Outras Condições de Saúde

  • Doença de Parkinson: É aproximadamente 2 vezes mais comum em não fumantes do que em fumantes (1). Tem-se estudado um possível efeito protetor da nicotina (1).
  • Colite Ulcerativa / Doença de Crohn: A colite ulcerativa parece ser uma doença menos prevalente em fumantes (1). Em contraste, o fumo agrava os efeitos da doença de Crohn (1).
  • Doença de Alzheimer: Em alguns grupos genéticos, o tabagismo pode aumentar a ocorrência da doença de Alzheimer (1).

Tabagismo e Sono

A nicotina, sendo uma substância psicostimulante (semelhante à cafeína), pode manter o usuário em estado de alerta, dificultando a progressão do sono. A “fissura” por nicotina pode induzir ansiedade, um fator que contribui para a privação do sono. Adicionalmente, estudos sugerem que a nicotina pode exercer efeitos negativos na secreção de melatonina, prejudicando não apenas o sono, mas também o ritmo circadiano.

As substâncias presentes na fumaça e vapores inalados possuem potencial inflamatório e lesivo na via aérea superior, o que torna essa região mais suscetível ao colapso. Consequentemente, o tabagismo contribui para o desenvolvimento ou agravamento de quadros de ronco e apneia obstrutiva do sono.


Tratamento do Tabagismo

A cessação tabágica é um processo desafiador, mas essencial para a saúde. A terapia medicamentosa é um adjuvante importante à terapia comportamental.

Terapia Medicamentosa

  • Nicotina (terapia de reposição): A curto prazo, é um adjuvante eficaz da terapia comportamental em tabagistas motivados a parar de fumar (1).
  • Vareniclina: Também é um adjuvante, mas foi associada à ideação suicida em alguns casos (1).
  • Bupropiona: É efetiva, porém contraindicada em pessoas com fatores de risco para convulsões (1).

Referências Bibliográficas

  1. RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.
  2. PAPALIA, D. E.; MARTORELL, G. Desenvolvimento Humano. 14. ed. Rio de Janeiro: Artmed, 2022. v. 1.