Terapia Cognitivo-Comportamentais (TCC) no Manejo da Obesidade


Intervenções Cognitivo-Comportamentais no Manejo da Obesidade


Introdução

A obesidade, uma condição multifatorial e complexa, demanda abordagens terapêuticas que transcendem a simples restrição calórica. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) emerge como uma estratégia promissora, focando na reestruturação de padrões de pensamento e comportamento disfuncionais relacionados à alimentação e ao peso. (1)


A Epidemia da Obesidade: Contexto e Implicações

A obesidade é um problema de saúde pública com prevalência aumentada devido à industrialização e urbanização. Nos Estados Unidos, a prevalência de obesidade dobrou desde 1980. No Brasil, em 2008-2009, 41% da população apresentava sobrepeso e 10,5 milhões de pessoas eram obesas. O custo econômico associado à obesidade e ao sobrepeso ressalta a urgência no desenvolvimento de intervenções eficazes para controlar essa epidemia e prevenir doenças crônicas relacionadas. (1)

Uma perspectiva evolucionista sugere que o cérebro humano desenvolveu um circuito de recompensa para o consumo de alimentos altamente nutritivos em ambientes de escassez. Contudo, nos países industrializados atuais, a ampla disponibilidade de alimentos calóricos em ambientes “obesogênicos” pode anular os mecanismos fisiológicos que limitam a ingestão alimentar e o ganho de peso. (1)

A obesidade e o sobrepeso são fatores de risco para diversas doenças crônicas, como diabetes tipo II, hipertensão, dislipidemia, doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral, doença da vesícula biliar, osteoartrite, problemas respiratórios e certos tipos de câncer. Além disso, mais de um terço dos indivíduos obesos também apresentam depressão, indicando uma comorbidade significativa. A obesidade comórbida com depressão acarreta mais problemas de saúde e limitações na vida diária, como menor tempo de trabalho e aposentadoria precoce. Indivíduos com obesidade e transtornos mentais enfrentam dupla discriminação, dificultando o acesso a empregos, moradia e relacionamentos. (1)


Etiologia Multifatorial da Obesidade e o Papel da Terapia Cognitivo-Comportamental

A etiologia da obesidade é complexa, envolvendo fatores biológicos, psicológicos, culturais e ambientais, o que exige um tratamento transdisciplinar que inclua abordagens médica, nutricional, fisioterapêutica e, fundamentalmente, psicoterapêutica para as questões emocionais e comportamentais. Pesquisas desde a década de 1950 têm demonstrado que aspectos psicológicos, como forças internas e externas, processos aditivos, sociais, culturais, desenvolvimentais e psicopatológicos, influenciam a obesidade. (1)

Formas inadequadas de enfrentamento de problemas, como a descarga emocional, estão associadas a comportamentos alimentares inadequados. Indivíduos inseguros, com labilidade emocional ou dificuldade em lidar com o estresse, podem recorrer à comida para diminuir a ansiedade, desenvolvendo transtornos alimentares ou obesidade. (1)

Estudos sobre a personalidade de mulheres obesas indicaram sentimentos de inadequação, baixa tolerância à frustração, dominância em relações sociais e ingestão emocional. No entanto, outros estudos não encontraram maior psicopatologia em pessoas obesas, mas sim mais queixas de saúde e relatos de abuso emocional e negligência. É importante notar que essas pesquisas podem não ter avaliado diagnósticos psiquiátricos ou transtornos alimentares específicos, que são prevalentes na população obesa. (1)

Pacientes obesos em tratamento valorizam a oportunidade de refletir sobre alimentação e peso sob uma ótica psicológica, obtendo insights sobre seus padrões alimentares e dificuldades de manutenção do peso, o que melhora as relações interpessoais e a autoestima. O tratamento da obesidade requer mudanças sustentáveis a longo prazo, e a abordagem dos fatores psicológicos é crucial. A TCC, desenvolvida por Aaron Beck para depressão e posteriormente ampliada para outros transtornos, é o tratamento de escolha baseado em evidências para a obesidade, visando a mudança de estilo de vida em relação a padrões alimentares e atividade física. Este estudo buscou explorar pesquisas empíricas sobre a TCC na obesidade, discutindo protocolos e suas especificidades. (1)


Fundamentos da Terapia Cognitivo-Comportamental e sua Aplicação na Obesidade

A TCC caracteriza-se por sua estrutura definida, brevidade, orientação para o presente, foco na resolução de problemas e modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais. Baseada no modelo de Beck, a TCC emprega intervenções cognitivas para reestruturar pensamentos disfuncionais e intervenções comportamentais para modificar comportamentos inadequados, ao mesmo tempo em que identifica as cognições a eles associadas. No contexto do tratamento da obesidade, a premissa fundamental da TCC é que a modificação do pensamento conduz à alteração do comportamento alimentar e, consequentemente, à perda de peso. (1)

A dificuldade em aderir a um padrão alimentar saudável pode ser atribuída a um conflito entre o prazer em comer e a necessidade de controle do peso. Um modelo hipotético sugere que, em ambientes com alta disponibilidade de alimentos calóricos, a maioria dos indivíduos prioriza o prazer imediato da alimentação, o que pode inibir o objetivo de controle ponderal. Em contrapartida, uma minoria associa essa exposição a pensamentos de controle de peso, conseguindo manter um padrão alimentar adequado. Portanto, é imperativo o desenvolvimento de estratégias que facilitem a modificação desse comportamento. (1)

Intervenções psicológicas demonstram ser benéficas para a redução do peso corporal em indivíduos com sobrepeso e obesidade. A abordagem cognitivo-comportamental é particularmente indicada para este tratamento, em conjunto com a prática de atividade física e a reeducação alimentar, devido à robustez das evidências que a sustentam. Dificuldades relacionadas à alimentação e à manutenção do peso estão intrinsecamente ligadas a distorções cognitivas e ciclos de comportamentos disfuncionais, o que torna a TCC uma abordagem apropriada para o ajuste de peso e a mudança de hábitos. É fundamental que o tratamento adote uma perspectiva abrangente, reconhecendo que as dificuldades alimentares permeiam o indivíduo, seu ambiente familiar e social. (1)

Indivíduos com dificuldades em manter um peso adequado frequentemente atribuem a falha a um metabolismo lento. Contudo, raramente há um problema médico impeditivo. Em vez disso, observa-se a presença de padrões de pensamentos disfuncionais. Uma vez que esses indivíduos aprendem a reestruturar a forma como pensam sobre a alimentação, tornam-se capazes de comer mais lentamente, apreciar a comida sem culpa e persistir na dieta. (1)

Protocolos específicos de TCC para obesidade e redução de peso já foram desenvolvidos, estimando uma perda de 10% a 15% do peso inicial, com variações individuais, e enfatizando os benefícios físicos e psicológicos dessa perda. A TCC aplicada em grupos de emagrecimento, além da redução de peso, proporciona benefícios em aspectos como dificuldades interpessoais, adaptação social, autoestima, níveis de ansiedade, bem-estar e diminuição da compulsão alimentar. A combinação da TCC com o tratamento dietético padrão resulta em uma maior duração dos efeitos pós-tratamento e menor recaída em comportamentos alimentares inadequados. Essa combinação também promove a diminuição do Índice de Massa Corporal (IMC), da compulsão alimentar, das preocupações com a alimentação, da depressão, além de melhorar a imagem corporal e a autoestima. (1)

Estudos de caso e pesquisas têm demonstrado a eficácia da TCC. Um estudo com pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) associada à obesidade, submetidos a sessões de TCC em grupo, resultou em melhorias nos parâmetros hepáticos e perda de peso mantida por dois anos. Em outra pesquisa, a TCC focada no estilo de vida mostrou-se mais eficaz do que a distribuição de folhetos informativos e tão eficaz quanto a dieta individualizada na perda de peso e na melhora da autoeficácia. (1)


Críticas e Comparações da TCC no Tratamento da Obesidade

Apesar dos resultados favoráveis, existem críticas à TCC padrão no tratamento da obesidade. Um estudo que comparou a TCC com a Terapia Comportamental Dialética (TCD) em indivíduos obesos com alimentação emocional, observou que a TCD promoveu melhorias na aflição emocional e na frequência/quantidade da alimentação emocional, enquanto a TCC não apresentou reduções nessas áreas. Os pesquisadores sugerem que a TCD pode ser mais eficaz quando os pacientes se sentem oprimidos por suas emoções, dificultando a reestruturação cognitiva. Técnicas da TCD, como mindfulness, tolerância à aflição e regulação emocional, poderiam ser empregadas antes das técnicas de reestruturação cognitiva. (1)

Apesar do sucesso da abordagem comportamental na perda de peso, a manutenção do peso perdido ainda representa um desafio. Um tratamento cognitivo-comportamental desenvolvido para minimizar a recuperação do peso não obteve resultados satisfatórios a longo prazo em um estudo. A pesquisa sugere que talvez a TCC não tenha sido suficientemente potente ou que haja uma falha na teoria subjacente, e que o foco deva ser mais na prevenção da obesidade. Contrariamente, outro estudo demonstrou que a intervenção cognitivo-comportamental em grupo melhorou a escolha dos alimentos, o nível de atividade física, a autoeficácia e a intenção de alcançar objetivos, promovendo mudanças cognitivas duradouras que auxiliam na manutenção do peso. O uso de intervenções online pode ser uma ferramenta auxiliar para reforçar essas mudanças e a manutenção do peso saudável. (1)

Uma revisão sistemática sobre os efeitos a longo prazo da terapia não cirúrgica para obesidade e risco cardiovascular indicou que estratégias combinadas (farmacologia, terapia comportamental, exercícios, dietas e terapias complementares) podem trazer benefícios significativos nos fatores de risco cardiovascular. Contudo, há poucos estudos controlados e randomizados de longo prazo (5 a 10 anos) com obesos clinicamente saudáveis, e mais pesquisas nessa área são necessárias. (1)

As diferenças entre a TCC e a terapia comportamental padrão para obesidade residem mais nas teorias de suporte do que na aplicação prática. Ambos os tratamentos incluem recomendações para redução da ingestão calórica e aumento do gasto energético, com considerável sobreposição de técnicas. O debate sobre se a mudança cognitiva gera a comportamental ou vice-versa tem sido objeto de discussão. Métodos de pesquisa atuais não permitem uma conclusão definitiva sobre qual mudança é a principal na manutenção do peso perdido. Sugere-se que clínicos utilizem ambas as abordagens para a manutenção do peso, enquanto não há estudos que demonstrem superioridade da TCC em relação à terapia comportamental no controle de peso. (1)


Terapia Cognitivo-Comportamental da Obesidade em Populações Específicas

Crianças e Adolescentes

A TCC em crianças e adolescentes obesos, combinada com dieta controlada, atividade física e educação nutricional, é considerada uma intervenção eficaz para perda de peso. Para adolescentes, o tratamento deve promover responsabilidade e autonomia, além de contar com suporte familiar e mudanças no ambiente para ser efetivo e aceito. A TCC foca em mudanças de estilo de vida, sendo uma estratégia eficaz para auxiliar adolescentes obesos na perda de peso; entretanto, mais estudos são necessários para avaliar a efetividade a longo prazo até a vida adulta. (1)

A participação da família é crucial no tratamento da obesidade infantil, podendo, em alguns casos, a terapia apenas com os pais ser suficiente. Estudos demonstraram que intervenções de TCC com mães e crianças ou apenas com as mães apresentaram resultados de eficácia similares na redução do sobrepeso das crianças, com manutenção dos resultados por seis meses, além de melhoria no bem-estar psicológico das mães e crianças. A abordagem comportamental com atendimento exclusivo aos pais também resultou em redução de peso, melhora na qualidade da alimentação e diminuição de comportamentos inadequados na criança. Nessa abordagem, os pais foram treinados em técnicas como automonitoramento, definição de objetivos, feedback de performance, reforçamento, controle de estímulos e instruções sobre o próprio comportamento. A TCC, dieta intensiva e atividade física estão entre as recomendações de especialistas para o tratamento da obesidade na infância e adolescência. (1)

A psicoterapia com crianças obesas, além da perda de peso, pode abordar outras questões psicológicas, visto que essas crianças frequentemente apresentam maior comprometimento emocional, como insegurança, retraimento, dependência, imaturidade e agressividade reprimida. Atitudes parentais autoritárias ou negligentes aumentam o risco de obesidade nos filhos, sugerindo que métodos de prevenção devem incorporar não apenas estratégias parentais relacionadas à comida, mas também formas mais gerais de relacionamento com os filhos, considerando as crenças e atitudes culturais das famílias para que as intervenções sejam adequadas. (1)

Aspectos Psiquiátricos

Comportamentos alimentares desordenados em indivíduos obesos frequentemente resultam em um impacto psicológico negativo, associado à depressão e ansiedade. O tratamento psicoterapêutico dessa população deve visar a alteração de atitudes inadequadas em relação à alimentação, forma corporal e peso, além de comportamentos e pensamentos sobre métodos eficazes de controle e manutenção do peso. Embora a obesidade não seja uma doença psiquiátrica, ela está associada a transtornos psiquiátricos como depressão e transtornos alimentares. A TCC tem sido indicada no tratamento da obesidade em pessoas com e sem transtornos mentais. (1)

Indivíduos obesos com transtorno depressivo maior podem apresentar perda de peso, diminuição dos fatores de risco cardiovascular e melhora dos sintomas depressivos com um programa de tratamento combinado (TCC focada na depressão e técnicas comportamentais para controle do peso). Em um estudo, participantes que completaram o tratamento perderam, em média, 5,9% do peso inicial. Pessoas com obesidade e depressão também foram tratadas com aconselhamento nutricional e ativação comportamental, resultando em redução do peso corporal, diminuição da ingestão calórica diária, aumento da atividade física e redução significativa dos sintomas depressivos, com remissão completa da depressão em grande parte dos participantes. Esses resultados indicam a ativação comportamental como um tratamento promissor para perda de peso e depressão. (1)

A aplicação da TCC para pacientes que ganham peso devido ao uso de antipsicóticos também foi estudada. Indivíduos submetidos à TCC com foco em reeducação alimentar, enquanto em tratamento com antipsicóticos, apresentaram perda de peso, redução da compulsão alimentar e menos cognições relacionadas ao peso. No tratamento do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), a TCC tem resultados consolidados de eficácia e é uma intervenção indicada. Tratamentos de curto prazo para TCAP podem trazer benefícios a longo prazo, como a redução do número de episódios de compulsão alimentar por até dois anos após a psicoterapia. Uma sessão semanal de TCC por sete meses em pacientes obesos com compulsão alimentar pode gerar benefícios no comportamento alimentar, peso e parâmetros psicológicos que perduram por até 3,5 anos. A eficácia da TCC, considerada o “padrão ouro” no tratamento do TCAP, pode ser aprimorada com recursos como contatos telefônicos após as sessões presenciais. (1)

Um estudo comparou a TCC, a terapia comportamental e o tratamento sequencial (terapia comportamental seguida de TCC) em pacientes obesos com TCAP. A TCC foi superior à terapia comportamental na redução dos episódios de compulsão alimentar, enquanto a terapia comportamental foi modestamente superior na perda de peso durante o tratamento. A abordagem sequencial não demonstrou utilidade, e a remissão da compulsão alimentar associou-se a uma maior perda de peso. O estudo sugere que a terapia comportamental pode ser uma alternativa à TCC no tratamento do TCAP. Em relação aos efeitos a longo prazo da farmacoterapia e TCC para TCAP, a TCC mostrou-se mais efetiva do que a fluoxetina em um seguimento de 12 meses. A eficácia da TCC no tratamento do TCAP está estabelecida, e a remissão da compulsão alimentar resulta em redução do IMC nesses pacientes. (1)

Cirurgia Bariátrica

Uma intervenção cognitivo-comportamental breve em grupo (quatro sessões) demonstrou reduzir comportamentos e cognições relacionadas à compulsão alimentar, sendo indicada como intervenção eficaz para obesos candidatos à cirurgia bariátrica. Dessa forma, a TCC pode ser um método de preparação para a cirurgia, melhorando os resultados do procedimento. A TCC também foi pesquisada em obesos submetidos à cirurgia bariátrica quanto à sua viabilidade, aceitabilidade e efetividade. Em seis sessões individuais de TCC, os participantes relataram melhora na gravidade da compulsão alimentar, alimentação emocional e depressão, com feedback positivo em relação à intervenção. O foco da intervenção cognitivo-comportamental foi o ensino de habilidades de enfrentamento para antes ou após a cirurgia, como agendamento de refeições saudáveis, planejamento de atividades prazerosas alternativas ao comer excessivo e estratégias para situações alimentares difíceis. Também houve intervenção para reduzir a vulnerabilidade à alimentação emocional por meio da resolução de problemas e reestruturação de pensamentos disfuncionais. (1)


Considerações

A revisão da literatura científica indica que a TCC é um tratamento efetivo para a obesidade. Destaca-se o desenvolvimento de protocolos específicos para obesidade e programas de reeducação alimentar, amplamente divulgados e aplicados na prática clínica, e a quantidade de estudos experimentais que demonstram a efetividade da TCC. (1)

Poucas pesquisas apresentaram resultados desfavoráveis ao uso da TCC nesta população, como o estudo que não considera a abordagem psicoterapêutica eficaz para a manutenção do peso perdido a longo prazo e outro que critica a TCC padrão, sugerindo modificações. Em relação ao tratamento de crianças, ainda são necessários estudos de acompanhamento para verificar a manutenção dos resultados da intervenção até a vida adulta. É importante ressaltar que ainda há indefinições quanto à manutenção do peso perdido após o tratamento e à porcentagem de gordura necessária para que a perda seja considerada significativa. (1)

Os resultados desta pesquisa sugerem a necessidade de mais estudos para desenvolver intervenções cognitivo-comportamentais que auxiliem na perda e, principalmente, na manutenção do peso saudável. Também se sugere a utilização da TCC no tratamento de pessoas com obesidade e a implementação de estratégias de prevenção, considerando as dificuldades no tratamento dessa condição. Este estudo teve como objetivo aprofundar na questão do tratamento da obesidade com a TCC, sem esgotar o tema. (1)


Referências Bibliográficas:

  1. LUZ, F. Q.; OLIVEIRA, M. S. Terapia cognitivo-comportamental da obesidade: uma revisão da literatura. Aletheia, Canoas, n. 40, p. 159-173, jan./abr. 2013.