Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH): Abordagem Multimodal e Fisiopatologia


Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH): Abordagem Multimodal e Fisiopatologia


Introdução

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento de etiologia predominantemente genética, mas com significativo impacto nas esferas socioafetiva e funcional. Caracteriza-se por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade, cuja intensidade varia ao longo das fases da vida (2).


Fisiopatologia

O TDAH é uma condição com prevalência estimada em aproximadamente 9% (1). Acredita-se que sua sintomatologia esteja primariamente associada a alterações nas vias de dopamina (DA) e noradrenalina (NE) no córtex frontal e nos núcleos da base (1). Embora a importância relativa de cada monoamina e as regiões cerebrais específicas envolvidas na ação dos fármacos ainda gerem controvérsias, essas alterações neuroquímicas são consideradas a base fisiopatológica (1).

A etiologia do TDAH é multifatorial, englobando aspectos genéticos e ambientais (1). Fatores como a alimentação podem contribuir para o quadro (1). Contrariamente a crenças populares, o consumo de açúcar não interfere diretamente no TDAH (1). No entanto, corantes artificiais têm sido associados à piora dos sintomas, com postulações de que a liberação de histamina e a excreção aumentada de zinco (especialmente pelo corante amarelo tartrazina), que afetam o metabolismo de serotonina, dopamina e vias de conversão de ácidos graxos essenciais, possam ser mediadores desse efeito (1).


Diagnóstico

Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5, o TDAH é classificado em três tipos de apresentação (2):

  • 314.00 (F90.0) Apresentação predominantemente desatenta (TDA): Preenche os critérios para desatenção, mas não para hiperatividade-impulsividade nos últimos 6 meses (2).
  • 314.01 (F90.1) Apresentação predominantemente hiperativa/impulsiva (TDH): Preenche os critérios para hiperatividade-impulsividade, mas não para desatenção nos últimos 6 meses (2).
  • 314.01 (F90.2) Apresentação combinada (TDAH): Preenche ambos os critérios de desatenção e hiperatividade-impulsividade nos últimos 6 meses (2).

Critérios Diagnósticos

É fundamental que haja evidências claras de que os sintomas interfiram ou reduzam significativamente o funcionamento social, acadêmico ou profissional (2). Um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade deve estar presente em dois ou mais ambientes (2). Os sintomas não podem ser explicados por esquizofrenia ou outro transtorno psicótico (2).

Desatenção

Seis ou mais dos seguintes sintomas devem persistir por pelo menos seis meses, em um grau inconsistente com o nível de desenvolvimento, com impacto negativo nas atividades sociais e/ou acadêmicas/profissionais (2):

  • Frequente falha em prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido em tarefas.
  • Dificuldade em manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas.
  • Parece não escutar quando lhe dirigem a palavra diretamente.
  • Não segue instruções até o fim e não consegue terminar tarefas.
  • Dificuldade para organizar tarefas e atividades.
  • Evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exigem esforço mental prolongado.
  • Perde frequentemente coisas necessárias para tarefas ou atividades.
  • Distraído por estímulos externos.
  • Esquecimento frequente em atividades cotidianas.

Hiperatividade e Impulsividade

Seis ou mais dos seguintes sintomas devem persistir por pelo menos seis meses, em um grau inconsistente com o nível de desenvolvimento, com impacto negativo nas atividades sociais e/ou acadêmicas/profissionais (2):

  • Frequentemente remexe ou batuca mãos/pés, ou se contorce na cadeira.
  • Frequentemente levanta da cadeira em situações que exigem que permaneça sentado.
  • Frequentemente corre ou sobe em coisas em situações inapropriadas (em adultos, pode ser sensação de inquietude).
  • Incapaz de brincar ou se envolver em atividades calmamente.
  • “Não para”, agindo como se estivesse com “motor ligado”.
  • Fala excessivamente.
  • Dificuldade para esperar a sua vez.
  • Interrompe ou se intromete.

Especificadores

  • Em remissão parcial: Critérios foram preenchidos no passado, mas não totalmente nos últimos 6 meses, embora os sintomas ainda causem prejuízo (2).
  • Gravidade atual:
    • Leve: Poucos sintomas além dos necessários, com pequenos prejuízos (2).
    • Moderada: Sintomas ou prejuízos funcionais entre leve e grave (2).
    • Grave: Muitos sintomas, ou sintomas particularmente graves, ou prejuízo acentuado no funcionamento social e/ou profissional (2).

Características Diagnósticas Adicionais

A característica essencial do TDAH é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou desenvolvimento (2).

  • Desatenção: Manifesta-se como divagação, falta de persistência, dificuldade de foco e desorganização, não sendo resultado de desafio ou falta de compreensão (2).
  • Hiperatividade: Refere-se à atividade motora excessiva, mesmo quando inapropriado (remexer, batucar, conversar em excesso) (2). Em adultos, pode ser inquietude extrema ou esgotamento de outros (2).
  • Impulsividade: Ações precipitadas sem premeditação, com potencial de risco, reflexo de desejo de recompensa imediata ou incapacidade de adiar a gratificação (2).

O TDAH tem início na infância (2), sendo comum a variação dos sintomas conforme o contexto (2). Atrasos leves no desenvolvimento linguístico, motor ou social são comuns, mas não específicos (2). Baixa tolerância à frustração, irritabilidade ou labilidade do humor podem ser características associadas (2). Em adultos jovens, o TDAH está associado a maior risco de suicídio, especialmente com comorbidades de humor, conduta ou uso de substâncias (2). Não há marcador biológico diagnóstico, mas em crianças pode haver aumento de ondas lentas no eletroencefalograma e volume encefálico total reduzido na ressonância magnética (2).

Prevalência

O TDAH ocorre em cerca de 5% das crianças e 2,5% dos adultos globalmente (2). É mais frequente no sexo masculino, na proporção de 2:1 (2).

Desenvolvimento e Curso da Doença

A hiperatividade motora excessiva pode ser observada já na primeira infância, mas o diagnóstico é frequentemente feito durante o ensino fundamental, quando a desatenção se torna mais proeminente (2). O transtorno permanece relativamente estável no início da adolescência, mas pode haver piora com o surgimento de comportamentos antissociais, e os sintomas de hiperatividade motora tendem a diminuir nesse período (2). Na pré-escola, a hiperatividade é a principal manifestação, enquanto a desatenção predomina no ensino fundamental (2). Em adultos, a impulsividade pode persistir, mesmo com a redução da hiperatividade (2).

Fatores de Risco e Prognóstico

  • Temperamentais: Associado a menor inibição comportamental, controle baseado em esforço ou contenção, afetividade negativa e/ou maior busca por novidades (2).
  • Ambientais: Baixo peso ao nascer (<1500g) confere um risco 2-3 vezes maior (2). Pode estar relacionado a histórico de abuso infantil, negligência, múltiplos lares adotivos, exposição a neurotoxinas, infecções ou álcool no útero (2).
  • Genéticos e Fisiológicos: Frequente em parentes de 1º grau. A herdabilidade é substancial, mas genes específicos não são fatores causais necessários ou suficientes (2).
  • Modificadores de curso: Padrões de interação familiar na primeira infância não causam TDAH, mas podem influenciar seu curso (2).

Consequências Funcionais

Crianças com TDAH têm maior probabilidade de desenvolver transtorno da conduta na adolescência e transtorno da personalidade antissocial na idade adulta, aumentando o risco de transtornos por uso de substâncias e prisão (2). Há também um maior risco para o desenvolvimento da obesidade (2). A dificuldade em tarefas que exigem esforço prolongado é frequentemente interpretada como preguiça ou irresponsabilidade (2). Relações familiares podem ser marcadas por discórdia (2). Em sua forma grave, o transtorno é marcadamente prejudicial à adaptação social, familiar e escolar/profissional (2).


Diagnóstico Diferencial

É crucial diferenciar o TDAH de outras condições com sintomatologia similar:

  • Transtorno de Oposição Desafiante (TOD): Indivíduos com TOD resistem a tarefas que exigem conformidade, exibindo negatividade e hostilidade, diferente da aversão por esforço mental prolongado e esquecimento do TDAH. TDAH pode desenvolver atitudes opositoras secundariamente (2).
  • Transtorno Explosivo Intermitente: Ambos compartilham impulsividade, mas o Transtorno Explosivo Intermitente se manifesta com agressividade importante dirigida a outros, o que não é característico do TDAH. Além disso, a dificuldade em manter a atenção não é uma característica e é raro na infância (2).
  • Outros transtornos do neurodesenvolvimento: A atividade motora aumentada do TDAH difere do comportamento motor repetitivo do transtorno do movimento estereotipado e do transtorno do espectro autista, sendo a inquietude do TDAH mais generalizada (2).
  • Transtorno Específico da Aprendizagem: Crianças com esse transtorno podem parecer desatentas por frustração ou desinteresse, mas a desatenção não acarreta prejuízos fora do contexto acadêmico, diferentemente do TDAH (2).
  • Outro Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Especificado: Utilizado quando os sintomas causam sofrimento, mas não preenchem todos os critérios para TDAH ou outro transtorno do neurodesenvolvimento, e o clínico opta por especificar a razão (e.g., “com sintomas insuficientes de desatenção”) (2).
  • Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Não Especificado: Usado quando os sintomas causam sofrimento, mas não preenchem todos os critérios, e o clínico opta por não especificar a razão ou quando há informações insuficientes para um diagnóstico mais específico (2).

Comorbidades

Transtornos comórbidos são frequentes em indivíduos com TDAH (2):

  • Transtorno de Oposição Desafiante: Comorbidade em cerca de metade das crianças com TDAH combinado e um quarto das com TDAH predominantemente desatento (2).
  • Transtorno da Conduta: Comorbidade em aproximadamente um quarto das crianças e adolescentes com TDAH combinado (2).
  • Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor: A maioria das crianças e adolescentes com este transtorno também preenche critérios para TDAH (2).
  • Transtorno Específico da Aprendizagem: Comumente comórbido com TDAH (2).
  • Transtornos de Ansiedade e Transtorno Depressivo Maior: Ocorrem em uma minoria, mas com maior frequência do que na população geral (2).

Avaliação do Funcionamento Cognitivo

A avaliação do funcionamento cognitivo no TDAH pode ser realizada por meio de instrumentos como:

  • Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-IV): Avalia a capacidade intelectual e a resolução de problemas, fornecendo índices como Compreensão Verbal (ICV), Organização Perceptual (IOP), Memória Operacional (IMO) e Velocidade de Processamento (IVP). Esses índices auxiliam na investigação do quadro sintomático (2).
  • SAP-IV (Questionário de Sinais e Sintomas de TDAH): Desenvolvido com base no DSM-5 para crianças e adolescentes, adaptado para o Brasil. A aplicação é direcionada a pais e professores (sugere-se três professores de diferentes áreas). Embora não seja um teste psicológico, é uma escala amplamente estudada e recomendada pela Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) para identificar alterações comportamentais nos ambientes escolar e familiar.
  • Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção (BPA): Avalia a capacidade geral e tipos específicos de atenção (concentrada, dividida e alternada), identificando prejuízos atencionais e o tipo de atenção mais comprometida.

Conduta Clínica

A abordagem terapêutica para o TDAH é multimodal, englobando intervenções farmacológicas, nutricionais, físicas e comportamentais.

Medicação

Os fármacos utilizados são principalmente estimulantes psicomotores, como:

  • Metilfenidato (Ritalina): Aumenta os níveis de dopamina e noradrenalina no cérebro.
  • Anfetaminas: Também aumentam os níveis de dopamina e noradrenalina.A eficácia do tratamento medicamentoso é bem estabelecida, mas preocupações sobre efeitos adversos a longo prazo persistem (1).Outros medicamentos não estimulantes incluem a atomoxetina, bupropiona e antidepressivos tricíclicos. O modafinil é um possível candidato, mas necessita de mais estudos (1).

Suplementação

  • Ômega-3: A deficiência de ômega-3 tem sido observada em crianças com TDAH (informação adicional).
  • Ginkgo biloba: Pode aumentar o fluxo sanguíneo cerebral e a sinalização de serotonina e norepinefrina, sugerindo um efeito positivo no TDAH (informação adicional).
  • L-carnitina e Acetil-L-carnitina: Presentes nas células cerebrais, desempenham papel na produção de energia. Ao aumentar a atividade mitocondrial nos neurônios e promover a sinalização da dopamina, podem melhorar os sintomas do TDAH (informação adicional).
  • Fosfatidilserina: Este lipídio contendo fósforo pode afetar positivamente o TDAH, provavelmente por seu papel no ajuste da atividade de receptores, enzimas e canais iônicos, influenciando a sinalização da maioria dos neurotransmissores cerebrais (informação adicional).

Atividade Física

O exercício é um dos tratamentos não farmacológicos mais recomendados para TDAH em todas as idades (informação adicional). Os benefícios propostos incluem a promoção da liberação de dopamina no cérebro, melhora das funções executivas, aumento dos níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e regulação do comportamento e da atenção (informação adicional). Estudos demonstram que o exercício pode reduzir os sintomas do TDAH, melhorar a atenção e a função executiva (informação adicional).

Mudanças Comportamentais

Estratégias comportamentais são cruciais para o manejo dos sintomas (informação adicional):

  • Manter um cronograma consistente.
  • Minimizar distrações externas.
  • Estabelecer metas pequenas e alcançáveis.
  • Identificar reforço não intencional de comportamentos negativos.
  • Usar gráficos e listas de verificação.
  • Limitar escolhas.
  • Utilizar disciplina calma em crianças (por exemplo, “tempo de pausa” ou time-out).

A psicoterapia e a terapia cognitivo-comportamental são úteis para crianças e adultos com TDAH, mas não são recomendadas como substitutos da medicação (informação adicional).


Referências Bibliográficas

  1. RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.
  2. APA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2018. 948 p.

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