O Tecido Adiposo: Um Órgão Endócrino com Múltiplas Funções Metabólicas e Imunes


O Tecido Adiposo: Um Órgão Endócrino com Múltiplas Funções Metabólicas e Imunes


Introdução

Historicamente percebido principalmente como um reservatório de energia, o tecido adiposo é hoje reconhecido como um órgão endócrino dinâmico, fundamental na integração do metabolismo sistêmico. Sua capacidade de secretar uma vasta gama de substâncias bioativas, as adipocitocinas ou adipocinas, confere-lhe um papel crucial na regulação de processos metabólicos e inflamatórios.


Fisiologia do Tecido Adiposo

O tecido adiposo, além de sua função primordial no armazenamento de reservas energéticas na forma de triacilglicerol, desempenha um papel ativo na integração do metabolismo sistêmico (1). Este tecido é classificado como um órgão endócrino devido à sua capacidade de secretar diversas substâncias bioativas, conhecidas como adipocitocinas ou adipocinas, que podem ter atividade pró ou anti-inflamatória (1).

Estudos em humanos demonstram que o excesso de tecido adiposo está intrinsecamente ligado ao aumento das concentrações séricas de adipocinas pró-inflamatórias (1). Inversamente, a perda de peso, induzida por intervenções para emagrecimento, resulta em uma redução significativa nas concentrações dessas substâncias (1).

Os adipócitos são as únicas células especializadas no armazenamento de lipídios, na forma de triacilgliceróis, em uma única e grande gotícula citoplasmática, sem que isso comprometa sua integridade funcional (1). Essas células possuem todas as enzimas e proteínas reguladoras necessárias para a síntese de ácidos graxos (lipogênese) e o armazenamento de triacilgliceróis em períodos de abundância energética, bem como para mobilizá-los, através da lipólise, em condições de déficit calórico (1).


Tipos de Tecido Adiposo

Em mamíferos, existem dois tipos principais de tecido adiposo: o tecido adiposo branco e o tecido adiposo marrom (1). Recentemente, um terceiro tipo, o tecido adiposo bege, tem sido amplamente estudado.

Tecido Adiposo Branco (TAB)

Os adipócitos brancos maduros caracterizam-se por armazenar triacilgliceróis em uma única e grande gota lipídica, que pode ocupar 85-90% do citoplasma, deslocando o núcleo e uma fina camada de citoplasma para a periferia da célula (1). O TAB é composto por gotículas lipídicas uniloculares e possui poucas mitocôndrias. A proporção de lipídios pode atingir até 85% da massa total do tecido, sendo o restante composto por água e proteínas (1). O TAB está distribuído por todo o corpo.

Funções do Tecido Adiposo Branco:

  • Armazenamento de gorduras.
  • Produção de hormônios.
  • Regulação da ingestão alimentar.
  • Promoção da inflamação.

Tecido Adiposo Bege (TABe)

O tecido adiposo bege é composto por gotículas lipídicas multiloculares, é inervado e vascularizado, e apresenta uma maior densidade mitocondrial. Ele é recrutado por estímulos como o frio e estímulos nutricionais, geralmente pela ação direta dos receptores β-adrenérgicos.

Funções do Tecido Adiposo Bege:

  • Queima de nutrientes, com um potencial de contribuir para o tratamento da obesidade.
  • Termogênese adaptativa.
  • Regulação da homeostase nutricional.

Tecido Adiposo Marrom (TAM)

O tecido adiposo marrom é especializado na produção de calor (termogênese) e, portanto, participa ativamente da regulação da temperatura corporal (1). Possui um grande número de mitocôndrias que, por não apresentarem o complexo enzimático necessário para a síntese de ATP, utilizam a energia liberada pela oxidação de metabólitos, principalmente ácidos graxos, para gerar calor (1). Nas crianças, o TAM está presente na região interescapular; em adultos, é encontrado na região cervical supraclavicular. É composto por gotículas lipídicas multiloculares, altamente vascularizado e inervado, com elevada densidade mitocondrial e de UCP-1 (proteína desacopladora 1).

Funções do Tecido Adiposo Marrom:

  • Regulação do gasto energético.
  • Regulação da homeostase dos nutrientes.

Termogênese

A termogênese é um processo que ocorre nas mitocôndrias, mediado pelas Proteínas Desacopladoras (UCPs), onde o tecido adiposo bege ou marrom dissipa energia para gerar calor. As UCPs podem ser ativadas após a sinalização de canais iônicos receptores de potencial transitório (TRP). Certos compostos alimentares, como os que ativam TRPV1, TRPM8 e TRPA1, podem promover uma maior ativação do sistema nervoso simpático, resultando em maior liberação de noradrenalina e, consequentemente, maior atividade das UCPs.


Excesso de Tecido Adiposo e Disfunção

A hipótese da expansibilidade postula que, quando o tecido adiposo atinge seu limite de capacidade de expansão, o excedente de energia não pode mais ser armazenado de forma segura (1). Isso predispõe à disfunção do tecido adiposo, que é caracterizada pelo acúmulo ectópico de gordura em outros órgãos, como omento, fígado, músculos e pâncreas, além da formação de subprodutos lipídicos que são tóxicos para as células (1).

Adicionalmente, a disfunção do tecido adiposo implica em alterações na composição celular (adipócitos hipertrofiados, inibição da adipogênese e infiltração de células imunes inflamatórias), hipóxia, estresse oxidativo e um aumento na secreção de adipocinas pró-inflamatórias. Em indivíduos com peso saudável, os adipócitos promovem a homeostase metabólica. Contudo, com o aumento do tamanho dessas células na obesidade, ocorre o recrutamento e a infiltração de macrófagos, que, por sua vez, favorecem a inflamação local e a produção de citocinas pró-inflamatórias (1).


Adipocinas

As adipocinas são uma categoria de fatores solúveis produzidos pelo tecido adiposo, com estruturas proteicas e funções fisiológicas altamente variadas. Incluem hormônios como leptina, adiponectina, resistina e visfatina, além de citocinas e fatores de crescimento (1).

As adipocinas pró-inflamatórias de maior relevância na obesidade, secretadas pelo tecido adiposo, são: leptina, resistina, TNF-α, IL-6, IL-18 e o fator ativador de plasminogênio 1 (PAI-1) (1).

Por outro lado, a expressão das adipocinas com ação anti-inflamatória está reduzida em pacientes obesos, incluindo: adiponectina, IL-2, IL-10, grelina e SFRP5 (1).

A seguir, uma tabela das adipocinas e suas funções:

AdipocinaFunção
AdiponectinaAumenta a sensibilidade à insulina, possui ação anti-inflamatória e atenua a progressão da aterosclerose. Controla o apetite via SNC (1).
AdipsinaAtiva a via alternativa do complemento.
ResistinaPró-inflamatória, lipolítica, aumenta o consumo energético e reduz a sensibilidade à insulina.
TNF-αPró-inflamatório, lipolítico, aumenta o consumo energético e reduz a sensibilidade à insulina.
IL-6Pró-inflamatório, lipolítico e reduz a sensibilidade à insulina.
IL-18Pró-inflamatório.
RBP4Promove a resistência à insulina.
PAI-1Inibe a ativação do plasminogênio, bloqueando a fibrinólise.
SFRP5Anti-inflamatória.
VisfatinaMelhora a sensibilidade à insulina.
IGF-1Estimula a proliferação e diferenciação de adipócitos.
ApelinaMelhora a sensibilidade à insulina.
ZAGAumento do metabolismo energético.

Referências Bibliográficas

  1. COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2. ed. Barueri: Manole, 2020. 1369 p.

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