Testosterona: Aspectos Fisiológicos, Clínicos e Implicações do Uso Terapêutico e Abusivo


Testosterona: Aspectos Fisiológicos, Clínicos e Implicações do Uso Terapêutico e Abusivo


Introdução:

A testosterona é o principal hormônio androgênico no corpo humano, desempenhando funções cruciais tanto em homens quanto em mulheres, embora em concentrações e com efeitos distintos. Este documento visa explorar a fisiologia da testosterona, suas indicações clínicas para reposição, as implicações do hipogonadismo, e os efeitos adversos associados ao uso terapêutico e, principalmente, ao uso abusivo de esteroides androgênicos anabolizantes (EAAs). A compreensão aprofundada desses aspectos é fundamental para profissionais de saúde na tomada de decisões clínicas informadas e na orientação de pacientes.


Fisiologia da Testosterona

A testosterona, o andrógeno mais abundante no organismo, é sintetizada a partir do colesterol. Em indivíduos do sexo masculino, a produção diária varia de 4 a 9 mg (10 a 35 nmol/L), enquanto em indivíduos do sexo feminino, a produção é significativamente menor, cerca de 0,45 mg/dia (0,5 a 2,3 nmol/L) (3). As principais fontes de produção são as células intersticiais dos testículos (aproximadamente 95%) em homens, e em menor quantidade, os ovários e o córtex da suprarrenal (5%) em ambos os sexos (4,14). A produção de testosterona pela suprarrenal é controlada pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) (4). A desidroepiandrosterona (DHEA) e a androstenediona são precursores importantes, liberados pelas gônadas e pelo córtex suprarrenal, sendo convertidos em testosterona no fígado (4).

A testosterona circula na corrente sanguínea majoritariamente ligada a proteínas plasmáticas, como a globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG), albumina, orosomucoide e globulina ligadora de cortisol (3,4). No organismo, a testosterona pode ser metabolizada em 5α-di-hidrotestosterona (DHT) pela enzima 5α-redutase ou convertida em estradiol ou estrona pela enzima aromatase (3). O fígado é o principal órgão metabolizador, onde a testosterona é inativada e seus metabólitos são excretados na urina (3).

A testosterona exibe um ritmo circadiano, com os níveis mais elevados pela manhã e uma diminuição progressiva ao longo do dia, atingindo os menores valores no período noturno (15,18). Quando administrada por via oral, a testosterona é bem absorvida, mas rapidamente degradada no fígado em androstenediona, que possui fraca atividade androgênica (4). Sua meia-vida é curta, variando entre 10 e 20 minutos (4). No entanto, andrógenos sintéticos são metabolizados mais lentamente, com alguns sendo eliminados inalterados na urina (4). A esterificação do grupo 17-β-hidroxil (ex: enantato, cipionato, decanoato, propionato) aumenta a hidrofobicidade do andrógeno, resultando em uma liberação mais lenta no músculo e prolongando sua duração de ação (3).

Efeitos Biológicos da Testosterona

Os andrógenos exercem efeitos anabólicos (promoção do crescimento de tecidos somáticos, como músculo esquelético e ossos) e androgênicos (desenvolvimento de características masculinizantes primárias e secundárias) (3,4,14). Um índice miotrófico-androgênico foi desenvolvido para quantificar a proporção anabólica-androgênica de cada substância, sendo a testosterona o padrão com uma razão de 1:1 (14).

No nível celular, a testosterona atua via di-hidrotestosterona (DHT), seu metabólito ativo, convertida localmente pela enzima 5α-redutase (4). Além disso, a testosterona pode ser convertida em estradiol e estrona, exercendo efeitos estrogênicos como retenção hídrica, crescimento mamário e aumento na deposição de gordura (14).

Em Crianças e Pré-púberes: A exposição a hormônios androgênicos pode induzir puberdade precoce, resultando em maturação epifisária prematura dos ossos longos, com consequente comprometimento da estatura final (2,3,4). A acne, já comum nesse grupo etário, pode se agravar e se tornar mais resistente ao tratamento (3).

Na Puberdade (Meninos): Os andrógenos promovem o desenvolvimento rápido de características sexuais secundárias, maturação dos órgãos reprodutores e aumento acentuado da força muscular (4). Alterações na voz, padrão de pilificação, atividade das glândulas sebáceas, maturação de espermatozoides e libido são evidentes nessa fase (14).

Em Adultos: Os efeitos anabólicos incluem retenção de sal e água, espessamento e escurecimento da pele, ganho de peso e aumento da massa muscular (4). Andrógenos podem induzir uma sensação de bem-estar geral, aumento do vigor físico e da libido (4).


Indicações Clínicas e Avaliação Diagnóstica

Indicações para Terapia com Andrógenos

A terapia com andrógenos é indicada para o tratamento de:

  • Hipogonadismo: seja hipogonadotrófico (central ou secundário, relacionado a problemas hipofisários/hipotalâmicos) ou hipergonadotrófico (relacionado a problemas testiculares) (19).
  • Incongruência de gênero: como parte da terapia hormonal para pessoas transgênero (20).

Indicações para Terapia com Antiandrógenos

Antiandrógenos são utilizados em diversas condições:

  • Câncer de próstata: Exemplos incluem flutamida e ciproterona, empregados como parte do tratamento (20).
  • Hiperplasia Prostática Benigna (HPB): Inibidores da 5α-redutase, como a finasterida, são utilizados para reduzir o tamanho da próstata (20).

Sinais e Sintomas da Deficiência de Testosterona

A deficiência de testosterona pode se manifestar com sintomas específicos e inespecíficos:

  • Sintomas Sexuais (Específicos): Redução da libido, diminuição da ereção espontânea (incluindo a matinal), redução de pelos terminais (características sexuais masculinas), infertilidade e fogachos (20).
  • Sintomas Inespecíficos: Ganho de peso, dificuldade de memória, fadiga, tristeza e falta de motivação (20).

Exames Bioquímicos para Avaliação da Testosterona

Não há indicação de rastreamento de testosterona em indivíduos assintomáticos; a investigação é realizada apenas na presença de sintomas específicos ou forte suspeita clínica. Não existe um método padrão-ouro para a avaliação de testosterona (15). A dosagem de escolha é a testosterona total.

Em Mulheres: A dosagem de testosterona total e, principalmente, da testosterona livre deve ser realizada apenas na avaliação de hiperandrogenismo (16). A dosagem de testosterona não é indicada para o diagnóstico de transtorno do interesse/excitação sexual feminino, nem para avaliação de baixa função ovariana ou adrenal. Isso ocorre porque os métodos de dosagem globalmente utilizados permitem discriminar apenas o excesso de produção de testosterona, como no diagnóstico de tumores e outras condições que causam acne, hirsutismo e virilização (16). Concentrações abaixo de 100 ng/dL apresentam baixa representatividade (15). Idealmente, a testosterona deve ser medida pela manhã, na fase folicular do ciclo menstrual (15). Os testes laboratoriais de testosterona apresentam baixa sensibilidade e acurácia dentro dos valores femininos normais (20-60 ng/dL) (15).

Em Homens: No plasma, os níveis normais de testosterona variam entre 300 e 1000 ng/dL, com valores que podem ser influenciados pela idade (14). O diagnóstico de hipogonadismo requer a presença de sintomas clínicos e a dosagem de testosterona em, no mínimo, duas ocasiões pela manhã, na ausência de doenças agudas ou graves (16).


Hipogonadismo e Fatores Relacionados

Hipogonadismo

O hipogonadismo é caracterizado pela redução de uma ou ambas as funções testiculares: a produção de espermatozoides e/ou a produção de testosterona (19). Existem dois tipos principais:

  • Hipogonadismo Primário: Decorrente de doença ou lesão testicular (19).
  • Hipogonadismo Secundário: Causado por afecções da hipófise ou do hipotálamo (19).

É comum observar uma dissociação clínica entre os sintomas e os resultados dos exames, onde a normalização dos exames nem sempre “recupera” as queixas relatadas pelos pacientes.

Obesidade e Testosterona

A obesidade pode induzir um hipogonadismo secundário, resultando na redução da atividade do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e na diminuição dos níveis de LH e FSH, com consequente queda nos níveis de testosterona (19). Perdas de peso de 15% já demonstraram melhora significativa nos níveis de testosterona em casos de hipogonadismo secundário associado à obesidade (19). Por outro lado, o hipogonadismo primário também pode contribuir para a obesidade (19).

Envelhecimento e Testosterona

Em idosos, embora os níveis de testosterona total não apresentem queda acentuada, a testosterona livre diminui significativamente. Após os 80 anos, os níveis podem ser reduzidos pela metade ou um terço dos níveis observados em indivíduos de 20 anos (19).


Terapia de Reposição de Testosterona (TRT)

A terapia de reposição de testosterona (TRT) é um tratamento importante em casos de deficiência confirmada de testosterona.

Em Homens: A dose de reposição masculina pode variar de 2,5 mg/dia (4) a 5-20 mg/dia (20). A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) contraindica a prescrição rotineira de testosterona para todos os homens com 65 anos ou mais que apresentem baixos níveis de testosterona sem sintomas (3). Antes da prescrição, é imperativo que todos os riscos e benefícios sejam devidamente elucidados ao paciente (15). O uso de testosterona é aprovado para o tratamento de hipogonadismo e, em curto prazo, para recuperação de quadros de caquexia (16). A testosterona não deve ser utilizada para baixa libido ou depressão na ausência de diagnóstico de hipogonadismo (16).

Em Mulheres: O uso de testosterona não é aprovado no Brasil, e não existem medicamentos fiscalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) disponíveis para essa finalidade (16). Medicamentos aprovados para homens não são recomendados para mulheres (15), e mundialmente não há formulações aprovadas para uso em mulheres (15).

Formulações Disponíveis no Brasil

As formulações de testosterona disponíveis no Brasil, conforme regulamentação da ANVISA, incluem:

  • Transdérmicas: Consideradas a primeira escolha na reposição.
    • Androgel® (Gel sachê): 50 mg de testosterona, uso diário, aplicação matinal.
    • Androgel® (Pump): 20,25 mg por pump; 2 pumps equivalem a 40,5 mg, uso diário, aplicação matinal.
  • Injetáveis:
    • Deposteron® (Cipionato de testosterona 200 mg).
    • Hormus® (Undecilato de testosterona 1000 mg): Administrado a cada 12 semanas.
    • Nebido® (Undecanoato de testosterona 1000 mg): Administrado a cada 12 semanas.

Outras Abordagens Terapêuticas

Clomifeno (Citrato de Clomifeno): É um modulador do receptor de estrogênio que pode aumentar a produção de LH (3). A melhor resposta é observada em indivíduos com níveis baixos de LH e FSH (próximos a 3-4) e testosterona baixa, indicando que o eixo não foi estimulado e pode haver benefícios com essa estimulação. Quando o eixo já está estimulado (LH e FSH elevados), o uso de TRT é mais interessante, pois a resposta ao clomifeno seria provavelmente limitada.

Kisspeptinas: São peptídeos que parecem desempenhar um papel importante no início da puberdade e na produção de esperma (3). No entanto, ainda não há evidências claras sobre seu efeito na produção de andrógenos (3).

Boosters de Testosterona: São substâncias propostas para aumentar os níveis ou os efeitos da testosterona, geralmente por meio do aumento da produção ou diminuição do metabolismo (3). Os hormônios mais utilizados são o DHEA (desidroepiandrosterona) e o DHEAS (sulfato de desidroepiandrosterona).


Esteroides Androgênicos Anabolizantes (EAAs) e Uso Abusivo

Os esteroides androgênicos anabolizantes (EAAs) são drogas quimicamente e farmacologicamente similares à testosterona (3). Seu uso ilícito para fins estéticos e de desempenho tem sido um problema crescente.

Classificação e Mecanismo de Ação

Os EAAs são classificados com base em sua estrutura química e forma de administração:

  • Esteroides 17-α-alquilados: A maioria é absorvida no estômago ou intestino delgado proximal e apresenta meia-vida curta, exigindo múltiplas doses diárias para manter a concentração plasmática (14). São associados a maior hepatotoxicidade. Exemplos incluem estanozolol e oxandrolona (14).
  • Esteroides 17-β-esterificados: Geralmente apresentam meia-vida mais longa e absorção lenta, resultando em menor estresse hepático quando administrados por via intramuscular (14). Exemplos incluem ésteres de testosterona, nandrolona, boldenona e trembolona (14).

Os efeitos dos EAAs são mediados pela ativação do receptor androgênico, promovendo aumento da eritropoiese renal, lipólise, síntese proteica, secreções sebáceas, crescimento de pelos corporais, libido e, paradoxalmente, alopecia androgênica (14). Além dos efeitos diretos, a testosterona possui efeitos indiretos, como efeito antiglucocorticoide (ocupação de receptores de cortisol, resultando em efeito anticatabólico), aumento da creatina muscular (maior resistência e ganho muscular) e aumento de receptores de IGF-1 (tornando os músculos mais sensíveis ao estado anabólico) (14).

Padrões de Uso e Resultados

O uso de EAAs está frequentemente associado a ciclos de “bulking” (ganho de volume e massa corporal) e “cutting” (aumento da muscularidade e definição corporal) (5). O tipo de esteroide é muitas vezes escolhido pelo efeito desejado:

  • Efeito tipo Testosterona: Potente, com alta taxa de aromatização e forte ganho de força muscular. Exemplos: Ésteres de testosterona, metiltestosterona, boldenona (14).
  • Efeito tipo DHT: Potente e altamente androgênico, com baixa retenção hídrica devido à não aromatização em estrogênio. Exemplos: Estanozolol, oxandrolona, metenolona (14).
  • Efeito tipo Nandrolona: Menos potente, mas com elevada razão anabólica/androgênica, sendo drogas clinicamente mais utilizadas. Exemplos: Ésteres de nandrolona e trembolona (14).

Meta-análises indicam que, no curto prazo, o uso de EAAs pode aumentar a massa e a força muscular, com resultados mais pronunciados em indivíduos já treinados (3). Ganhos de 5-20% de massa magra são comumente reportados (3). Estudos em animais sugerem um possível benefício na “memória muscular” devido ao aumento da densidade de mionúcleos musculares, mas essa evidência ainda não foi confirmada em humanos (3).

A ativação, proliferação, mobilização e diferenciação das células satélites, com incorporação ao músculo esquelético, são mecanismos pelos quais os EAAs podem promover o crescimento muscular (3). Além disso, hormônios androgênicos podem ter um papel anticatabólico ao diminuir a expressão do receptor de glicocorticoide, interferindo na ligação do cortisol (3).

O uso de EAAs é mais efetivo em dosagens específicas por períodos de 6-8 semanas, após os quais a taxa de ganhos tende a diminuir, levando ao “efeito platô” (1). Doses menos agressivas e ciclos mais curtos (4-12 semanas) podem diminuir o risco de complicações, embora não eliminem os riscos associados (5,13). A literatura empírica sugere que a combinação de esteroides em menores dosagens pode ser mais vantajosa do que o uso de uma única droga (5).

Pós-ciclo

Estudos demonstraram que o ganho de força e músculo induzido pelo uso de testosterona pode ser revertido aos níveis basais após a interrupção do uso, mesmo com a manutenção da rotina de treinos (3).


Efeitos Adversos do Uso de EAAs

É fundamental ressaltar que o tipo e a intensidade dos efeitos adversos dos EAAs são dose-dependentes e variam conforme o andrógeno utilizado (15). Embora algumas alterações bioquímicas sejam transitórias e possam retornar à normalidade após a interrupção do uso, efeitos adversos sérios podem ocorrer (5).

Uma análise comparativa de diversas drogas, incluindo álcool, heroína e esteroides, indicou que os EAAs apresentaram menores taxas de dano físico (agudo e crônico), menor potencial de dependência física e psíquica, e menor impacto social e custo para o sistema de saúde, especialmente quando comparados ao álcool e tabaco (5,6). No entanto, a qualidade das evidências para inferência de causalidade entre o uso de EAAs e efeitos adversos é considerada baixa (5).

Efeitos Adversos Comuns e Específicos

A seguir, uma tabela resumida dos efeitos colaterais em homens e mulheres (20):

Aumento (Homens)Redução (Homens)Aumento (Mulheres)Redução (Mulheres)
Atrofia testicularContagem de espermatozoidesAlteração da voz (grave)Tecido mamário
GinecomastiaNíveis de testosteronaPelos faciaisGinecomastia (redução da mama)
Irregularidades menstruaisHipertrofia do clitóris
AumentoReduçãoPossível
LDL-CHDL-CHipertensão arterial
LDL-C/HDL-CDano ao tecido conjuntivoPotencial para doença hepática neoplásica
Dano ao miocárdioAgressividade, hiperatividade, irritabilidade
Infarto do miocárdioFunção tireóidea deterioradaRetraimento e depressão após interrupção do uso
AcneEstrutura alterada do miocárdio
Peliose do fígado

Sistema Endócrino

A supressão dos hormônios reprodutivos, incluindo testosterona, LH e FSH, é comum e pode levar semanas a meses para retornar aos níveis normais, dependendo da dose, duração e formulação utilizada (3). Pode ocorrer supressão transitória ou definitiva da produção de testosterona endógena (16).

Sistema Reprodutor

Masculino:

  • Atrofia testicular (2,3).
  • Oligo/azoospermia (2,3).
  • Hipertrofia prostática e potencial para carcinoma prostático (2,3).
  • Ginecomastia (2,3).
  • Priapismo (2).
  • Infertilidade, devido à inibição da espermatogênese (4,16).
  • Disfunção erétil e perda de libido pós-descontinuação, resultantes da inibição do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal, levando a hipogonadismo hipogonadotrófico (14). A perda de volume testicular é geralmente uma condição irreversível (14).
  • Infertilidade: O uso de esteroides pode induzir um estado hipogonadal caracterizado por diminuição da testosterona, atrofia testicular e espermatogênese prejudicada (14). A infertilidade manifesta-se como oligo/azoospermia, anomalias na motilidade e morfologia espermática (14). A qualidade do sêmen geralmente se recupera em 4-12 semanas após a interrupção do uso (14). Em casos persistentes, o tratamento com gonadotrofinas exógenas pode ser necessário para induzir a espermatogênese e restaurar a função endócrina, com a maioria dos casos mostrando melhora após 6 meses (14).

Feminino:

  • Irregularidade menstrual (2).
  • Hipertrofia do clitóris (2).
  • Atrofia uterina e da mama (2).
  • Teratogenicidade (2).
  • Observa-se também um declínio nos níveis séricos de LH, FSH, progesterona e estrogênio (20).

Sistema Hepático

  • Aumento de enzimas hepáticas (3,16).
  • Dano hepatocelular (2,16).
  • Colestase (2,16).
  • Hepatoadenoma e hepatocarcinoma (2,16).
  • Tumor de Wilms (14).

Os EAAs do grupo 17-α-alquilados, como metandiona, metandrostenolona, metiltestosterona, fluoximesterona, oxandrolona e oximetolona, estão associados a maior hepatotoxicidade (5). Efeitos colaterais hepáticos como peliose hepática (cistos hemorrágicos múltiplos), icterícia colestática, aumento da bilirrubina e transaminases são comuns com agentes orais alquilados (14). No entanto, estudos sugerem que a hepatotoxicidade pode ter sido superestimada, e que alterações em TGO, TGP e CK podem refletir estresse muscular em vez de dano hepático puro (5,8,9). O carcinoma hepatocelular é a complicação mais grave (14).

Efeitos Hematológicos e Cardiovasculares

  • Aumento do colesterol total, diminuição do HDL-C, e hipertensão (2,3).
  • Trombose e efeito pró-aterogênico (2).
  • Hipertrofia ventricular esquerda, aumento do coração e risco de morte súbita (2,14,16).
  • Alterações na estrutura e função cardíaca, incluindo disfunção diastólica e exacerbação da hipertrofia cardíaca induzida pelo treinamento (20).
  • Elevação do hematócrito (2).

As consequências mais graves dos EAAs recaem sobre o sistema cardiovascular, aumentando o risco de infarto e morte súbita (14). Embora alguns estudos em fisiculturistas não tenham encontrado alterações clinicamente significativas na função cardíaca relacionadas diretamente ao uso de AAS, outros autores ressaltam a limitação de evidências de estudos randomizados controlados sobre os efeitos cardiovasculares (5,10,12). Acredita-se que haja um aumento na agregação plaquetária, elevando o risco de acidentes vasculares encefálicos (AVE) e infarto (20). O hematócrito tende a cair após a descontinuação do uso (3).

Outros Sistemas e Efeitos

  • Músculo Esquelético: Aumento das tensões musculares e risco de lesões musculoesqueléticas, incluindo tendinosas (2,20).
  • Laringe: Engrossamento da voz (2).
  • Sistema Renal e Urinário: Aumento do BUN (nitrogênio ureico no sangue) (2). Retenção urinária em pacientes com hipertrofia prostática e estimulação crônica da próstata com possível aumento de tamanho (16,20). Casos de insuficiência renal secundária a rabdomiólise e glomerulonefrite membranoproliferativa difusa foram relatados (14).
  • Sistema Imune: Diminuição dos níveis de IgA (2).
  • Sono: Piora de roncos e sonolência em indivíduos com apneia (16). Insônia (3).
  • Psicológicos: Alterações de humor, comportamento agressivo (controverso), depressão, vício, e desordens de dependência e abstinência (2,4,14). Euforia e psicose também foram relatadas (14).

Dependência

Um estudo de revisão concluiu que a capacidade dos EAAs de gerar dependência é baixa, e os efeitos de abstinência são suaves (5,7). No Brasil, o projeto diretrizes da Associação Médica Brasileira e do Conselho Federal de Medicina apontou que a maioria das conclusões sobre abuso e dependência de anabolizantes são baseadas em evidências de baixa qualidade (categoria D) (5).

Efeitos Dermatológicos e Virilizantes

  • Acne: Favorecida pela maior ativação das glândulas sebáceas e relacionada ao efeito androgênico da DHT, após a conversão de testosterona ou uso de drogas sintéticas com atividade 5-DHT (4,14,16). EAAs que sofrem ação da 5-α-redutase (ex: metandiona, nandrolona, testosterona, boldenona, DHT, mesterolona, metenolona, trembolona, oxandrolona, oximetolona) podem aumentar a androgenicidade e efeitos como queda de cabelo e acne (5).
  • Virilização/Masculinização (em mulheres): Um quadro permanente e devastador, com hirsutismo, engrossamento da voz, hipertrofia do clitóris, irregularidades menstruais e calvície de padrão masculino (14).
  • Ginecomastia (em homens): EAAs que sofrem mais aromatização (estrogenização), como metandiona, metandrostenolona, nandrolona, testosterona e boldenona, são mais propensos a causar retenção hídrica e ginecomastia (5). O aumento sustentado de testosterona leva ao aumento da aromatização em estrógenos, responsável pela ginecomastia. O tratamento inclui terapia antiestrogênica, citrato de clomifeno ou inibidores de aromatase (anastrozol) (14).
  • Outros: Inflamação e pus no local de aplicação, edema, policitemia e risco aumentado de trombose (16).

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