Cacau (Theobroma cacao L.): Composição, Efeitos Fisiológicos e Implicações Clínicas
Introdução
O cacau (Theobroma cacao L.) é um alimento funcional amplamente estudado devido à sua rica composição em compostos bioativos, especialmente polifenóis. Suas sementes são a base para a produção de diversos produtos e são associadas a uma série de benefícios para a saúde, incluindo efeitos cardioprotetores, cognitivos e metabólicos.
Cultivo e Fabricação do Cacau
Existem três variedades principais no cultivo do cacau: Criollo, Forastero e Trinitario, que se distinguem pela morfologia da fruta e sua origem geográfica (1). O Criollo é considerado o cultivo original (1). O Forastero representa a maior parte do cacau comercializado mundialmente (1). O Trinitario, por sua vez, é resultado da hibridização entre as outras duas espécies (1).
Após a colheita, as sementes são removidas dos frutos, amontoadas e cobertas para sofrer fermentação natural, processo seguido pela secagem (1). Das sementes (ou amêndoas), extrai-se o pó de cacau, de sabor amargo, que serve como base para a confecção de chocolates (1).
Estrutura Química e Substâncias Bioativas
O cacau é um alimento rico em flavonoides, uma classe de fitoquímicos pertencentes aos polifenóis (1,2). É uma boa fonte de catequinas (1). Dentre os diversos compostos fenólicos identificados no cacau, os principais são: catequinas, epicatequinas e procianidinas, sendo aproximadamente 60% desses compostos flavonoides (1). Quantidades menores de galocatequina e epigalocatequina também são encontradas (1). As procianidinas representam uma classe dominante de proantocianidinas e são reconhecidas como os principais compostos responsáveis pela atividade antioxidante do cacau (1).
Os polifenóis do cacau são armazenados nas células de pigmentos dos cotilédones das sementes, juntamente com outros compostos como as metilxantinas (cafeína e teobromina) e ácidos graxos saturados e insaturados (1). O principal ácido graxo do cacau é o ácido esteárico, considerado neutro em relação ao aumento do colesterol sérico. No entanto, é importante notar que os chocolates podem conter outras gorduras além das advindas diretamente do cacau (1).
É crucial ressaltar que o teor de compostos bioativos no cacau pode variar significativamente conforme a variedade da planta, seus cultivares, a distribuição geográfica e o processamento tecnológico (1).
Absorção, Biodisponibilidade e Metabolismo
O metabolismo dos polifenóis do cacau ocorre no fígado e no cólon, onde a microbiota intestinal desempenha um papel importante na biotransformação desses compostos em metabólitos que podem ter atividade biológica (1). A epicatequina, por exemplo, é um dos flavonoides mais abundantes no cacau e é bem absorvida no trato gastrointestinal.
Efeitos Fisiológicos no Organismo
O consumo de cacau tem sido associado a uma série de benefícios para a saúde:
Proteção Cardiovascular
Os principais efeitos benéficos do cacau na proteção cardiovascular estão relacionados à sua ação antioxidante e anti-inflamatória (1). A inflamação crônica é um fator de risco significativo para o desenvolvimento de doenças vasculares, pois desempenha um papel fundamental em todas as fases da formação das lesões vasculares e leva à disfunção endotelial (1). A ação antioxidante do cacau envolve a eliminação de radicais livres, a ligação a íons metálicos e sua atuação como agente bloqueador e supressor de processos oxidativos (1).
Sugere-se que a ação benéfica do cacau sobre a função vascular ocorra por meio da fosforilação/ativação da enzima óxido nítrico-sintase endotelial (eNOS), influenciando, assim, a síntese de óxido nítrico (NO) (1).
Cognição e Memória
Um estudo demonstrou que o consumo de 35g de chocolate 70% cacau foi capaz de melhorar a memória nas 2 horas seguintes ao consumo, trazendo benefícios para a cognição e o aprendizado (2). O consumo crônico de cacau gera efeitos positivos na memória e na função cognitiva, acompanhados de mudanças no fluxo sanguíneo cerebral (2). Além disso, foram observadas alterações no fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), uma proteína associada ao crescimento neuronal, com o consumo de cacau (2).
Um dos mecanismos propostos para essas melhorias é a otimização do fluxo sanguíneo cerebral via vasodilatação mediada pela síntese de óxido nítrico, que aumenta a oxigenação e a disponibilidade de glicose na região cerebral (2).
Metabolismo Lipídico
Os polifenóis presentes no cacau demonstraram capacidade de reduzir a lipogênese e aumentar a lipólise e oxidação de ácidos graxos livres (AGL) (3). Alguns estudos identificaram o cacau como uma alternativa para aumentar a ingestão de fibras, visando elevar os níveis de HDL, reduzir as citocinas pró-inflamatórias plasmáticas e diminuir a glicose sérica (1).
Pressão Sanguínea e Vasodilatação
Os flavonoides do cacau são capazes de reduzir a pressão sanguínea de forma aguda em adultos saudáveis (3). Eles estimulam moléculas envolvidas na vasodilatação e inibem as vasoconstritoras (3). O consumo de chocolate com cacau demonstrou aumentar a dilatação mediada por fluxo (FMD – flow-mediated dilatation) (4).
Resistência à Insulina
O cacau pode aumentar a adiponectina, melhorando assim a sensibilidade à insulina e o aumento do transportador de glicose GLUT4.
Ação Anti-inflamatória
O cacau exerce uma importante ação anti-inflamatória, inibindo fatores como Nf-Kβ, TNF-α, IL-6 e IL-8 (1).
Ação Antioxidante
A ação antioxidante do cacau é multifacetada, envolvendo a capacidade de sequestrar radicais livres, ligar-se a íons metálicos e atuar como agente bloqueador e supressor de processos oxidativos (1). É importante notar que a atividade antioxidante de um composto pode variar sob diferentes condições, tornando difícil afirmar quais tipos de antioxidantes são mais ativos (1).
Ação Anticarcinogênica
O cacau demonstra ação anticarcinogênica por meio de sua atividade antioxidante, funções reguladoras moleculares no crescimento celular, desenvolvimento e apoptose, além da melhoria seletiva da função da flora bacteriana intestinal (1).
Recomendações Nutricionais e Fontes
A concentração de epicatequinas no cacau é aproximadamente três vezes superior à encontrada no chá-verde (1).
Para consumo, 35g de chocolate 70% cacau equivalem a 80-90 mg de flavonoides (2), enquanto 100g de chocolate fornecem 237 mg de flavonoides (2).
Conduta Clínica e Posologia
Principais Indicações Clínicas:
- Modulação do perfil lipídico
- Auxílio no controle da hipertensão
- Ação antioxidante
- Melhora da resistência à insulina
Produtos Disponíveis no Mercado:
- Extrato seco padronizado em 80% polifenóis
- Chocolate amargo – 80% cacau
Posologia Sugerida:
- Extrato seco padronizado: 500 mg a 2 g/dia
Segurança
Deve-se salientar a falta de consenso em relação às doses e ao tempo de administração nos ensaios clínicos conduzidos relacionados ao extrato de cacau (1). Mais pesquisas são necessárias para estabelecer diretrizes precisas de dosagem e duração para as diversas indicações terapêuticas.
Referências Bibliográficas
- PHILIPPI, S. T.; PIMENTEL, C. V. de M. B.; ELIAS, M. F. Alimentos Funcionais e compostos bioativos. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. 893 p.
- LAMPORT, D. J.; CHRISTODOULOU, E.; ACHILLEOS, C. Beneficial effects of dark chocolate for episodic memory in healthy young adults: A parallel-groups acute intervention with a white chocolate control. Nutrients, v. 12, n. 2, 2020.
- RIED, K.; FAKLER, P.; STOCKS, N. P. Effect of cocoa on blood pressure. Cochrane Database Syst Rev, v. 2017, n. 4, 2017.
- HOOPER, L. et al. Flavonoids, flavonoid-rich foods, and cardiovascular risk: A meta-analysis of randomized controlled trials. Am J Clin Nutr, v. 88, n. 1, p. 38–50, 2008.