Transtornos Alimentares: Fisiopatologia, Classificação e Abordagem Terapêutica
Introdução
Os transtornos alimentares (TA) são condições psiquiátricas complexas e graves, caracterizadas por alterações significativas no comportamento alimentar. Incluem a Anorexia Nervosa (AN), Bulimia Nervosa (BN) e o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA), e representam um desafio clínico devido às suas elevadas taxas de morbidade e mortalidade, especialmente a AN, que pode atingir mortalidade de 5-20% (3).
Fisiopatologia e Epidemiologia
Os TA são caracterizados por alterações graves do comportamento alimentar, frequentemente levando a quadros de desnutrição grave ou obesidade grau III, com recaídas comuns (3). Pacientes com TA frequentemente apresentam outras desordens psiquiátricas comorbidades, o que aumenta a complexidade do tratamento (2).
A prevalência geral dos transtornos alimentares atinge aproximadamente 5% da população (3), sendo mais comum em mulheres (3). As prevalências específicas são:
- Anorexia Nervosa (AN): ~1,7% (3)
- Bulimia Nervosa (BN): ~0,8% (3)
- Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA): ~2,3% (3)
As características associadas aos transtornos alimentares são mais comuns em países desenvolvidos (2). Embora mais prevalentes em mulheres, os efeitos dos TA são similares em ambos os sexos (2).
Etiopatogenia: Fatores Causadores
A etiopatogenia dos transtornos alimentares é multifatorial, baseada na interação de fatores predisponentes, precipitantes e mantenedores (3).
Fatores Predisponentes
- Fatores Genéticos: Parentes de primeiro grau de indivíduos com TA exibem risco aumentado para a doença (3). Na AN, esse risco pode ser 12-15 vezes maior (3). No entanto, a vulnerabilidade genética necessita da interação com fatores ambientais desfavoráveis para elevar o risco de desenvolvimento da doença (3).
- Fatores Biológicos: Referem-se a anormalidades de neuromoduladores e neurotransmissores (3). Na AN, a desnutrição dificulta a demonstração de anormalidades neuroquímicas, pois a própria desnutrição pode causar alterações hipotalâmicas e metabólicas (3). Na BN, as principais anormalidades são encontradas no sistema catecolaminérgico, com uma diminuição da atividade serotoninérgica, o que pode ser um fator predisponente tanto para a BN quanto para o TCA (3). No TCA, o episódio compulsivo pode ser um mecanismo para combater as consequências negativas da diminuição da atividade serotoninérgica (3).
- Fatores Físicos: Em indivíduos com obesidade, o desejo de emagrecer aumenta a vulnerabilidade ao desenvolvimento de um TA (3). O sobrepeso e a obesidade em crianças estão relacionados a práticas não saudáveis de controle de peso (uso de medicamentos, vômitos, diuréticos) (3). A insatisfação com a aparência física leva principalmente as mulheres a dietas, que podem ser um fator de risco para TA (3). Pacientes submetidos à cirurgia bariátrica com perda significativa de peso também têm risco aumentado para o desenvolvimento de AN, BN ou outros TA (3).
- Fatores Psicológicos: Certos traços de personalidade são importantes fatores de risco (3). Pacientes com AN, subtipo restritivo, frequentemente exibem traços de ansiedade, perfeccionismo, obsessão, inibição e submissão (3). Indivíduos com BN frequentemente apresentam impulsividade e instabilidade emocional, características consistentes com comportamentos descontrolados e métodos purgativos (3). Nesses indivíduos, a depressão pode preceder o distúrbio ou ser secundária à subnutrição (3).
- Experiências Traumáticas na Infância: Eventos traumáticos na infância aumentam a vulnerabilidade para TA e outros transtornos psiquiátricos (3). O abuso sexual, por exemplo, é mais associado à BN do que à AN (3). Comentários depreciativos sobre a aparência física na infância também são frequentemente relatados (3).
- Aspectos Familiares: Relações familiares disfuncionais são frequentemente relatadas, embora não seja claro se isso é uma correlação inespecífica para transtornos psiquiátricos ou causa/consequência de TA (3). A incidência de problemas alimentares muitas vezes reflete o comportamento dos pais; mães com TA podem influenciar negativamente o comportamento dos filhos, com mais de 50% desenvolvendo algum tipo de TA (3).
- Fatores Socioculturais: Os TA são considerados “síndromes associadas à cultura”, onde a magreza é supervalorizada (3). A insatisfação com a imagem corporal se correlaciona com distúrbios alimentares independentemente da idade (3). Em adolescentes do sexo feminino, a pressão para ser magra, a internalização da magreza como ideal e a insatisfação corporal são riscos desde o início da adolescência, ressaltando a importância da prevenção e da aceitação do próprio corpo (3). Grupos ocupacionais como modelos, bailarinas, atletas e nutricionistas também são mais suscetíveis (3). Nos homens, tem sido relatado um aumento nos casos de vigorexia, classificada como um transtorno dismórfico muscular, um subtipo de transtorno dismórfico corporal que pode levar a prejuízos sociais e profissionais (3). A vigorexia envolve a busca por uma imagem excessivamente musculosa, com uso de recursos em excesso, destacando o perigo do abuso de esteroides anabolizantes, tanto em níveis fisiológicos quanto psicológicos (3).
Fatores Precipitantes
- Dieta: É um dos principais fatores (3). Evidências científicas indicam que a restrição alimentar pode desencadear episódios de excesso alimentar em indivíduos predispostos (3). A restrição alimentar prolongada, apesar de apetite normal, pode levar a um desejo e impulso de comer (3).
- Eventos Estressores: O desenvolvimento de TA é frequentemente precedido por eventos de transição ou mudança, como o nascimento de um irmão, mudança de escola, mudança de bairro/país, puberdade, novas relações pessoais, separações e divórcios, entre outros (3).
Fatores Mantenedores
- Fatores Culturais e Socioambientais: Incluem eventos interpessoais (com familiares ou outros núcleos sociais), dinâmica familiar, relacionamentos interpessoais e circunstâncias sociais (3). As mídias sociais e sites pró-ana e pró-mia, que ensinam técnicas que levam aos TA, são fatores importantes a serem considerados (3).
- Distorções Cognitivas da Aparência: Estudos apontam um papel importante da autoavaliação e da insatisfação pessoal com a imagem corporal (3). A internalização do corpo magro como ideal e as alterações da imagem corporal podem causar problemas emocionais (3). A recuperação de um TA exige uma alteração nesse padrão de pensamento (3), o que é dificultado pela valorização social da perda de peso (3).
- Componentes Fisiológicos: Encontrados principalmente na AN e ligados à inanição, a desnutrição causa importantes mudanças fisiológicas que perpetuam a doença (3). Isso inclui alterações hormonais, alterações no apetite (influenciando até na depressão) e diminuição do metabolismo devido a dietas restritivas de longo prazo (3).
Tipos de Transtornos Alimentares
Além da AN, BN e TCA, outros transtornos ou condições associadas são reconhecidos:
- Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA): Caracteriza-se por episódios de perda de controle sobre a alimentação, ocorrendo duas ou mais vezes por semana, sem comportamentos compensatórios (1). Pacientes geralmente apresentam sobrepeso ou obesidade, tendendo a comer demasiadamente ao longo do dia (1). Alterações na atividade da serotonina no sistema nervoso central podem influenciar diretamente o comportamento alimentar e outros transtornos psiquiátricos (2).
- Síndrome do Comer Noturno: Episódios recorrentes de ingestão alimentar no meio da noite ou após uma refeição noturna (3).
- Transtorno de Purgação: Caracterizado por comportamentos de purgação recorrentes na tentativa de influenciar o peso ou a forma corporal, mas sem a presença de compulsão alimentar (3).
- Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE): Perturbação alimentar que leva à perda de peso (3). Inclui seletividade alimentar, fobia e recusa alimentar, além de quadros diagnosticados em crianças como transtornos da ingestão e do comportamento alimentar (3).
- Transtorno de Ruminação: Caracterizado pela mastigação e regurgitação do alimento (3).
- PICA: Transtorno em que há ingestão de substâncias não nutritivas e não alimentares, como terra, papel, tijolo ou gesso (3).
- Vigorexia: Em homens, é um transtorno dismórfico muscular, subtipo de transtorno dismórfico corporal que pode levar a prejuízos sociais e profissionais (3). Caracteriza-se pela busca excessiva por uma imagem musculosa, com uso excessivo de recursos e o perigo do abuso de esteroides, tanto em níveis fisiológicos quanto psicológicos (3).
Abordagem Terapêutica
O tratamento dos transtornos alimentares é complexo e geralmente envolve uma abordagem multidisciplinar.
Tratamento Médico
Antidepressivos e outras drogas podem ser úteis como tratamento adjunto à psicoterapia (2).
Terapia Psicológica
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é a mais indicada para a maioria dos transtornos alimentares, incluindo BN, AN e TCA (2). A TCC tem demonstrado eficácia na diminuição dos episódios compulsivos, das respostas compensatórias e na melhora da cognição em indivíduos com bulimia nervosa (2).
Terapia Nutricional
O ponto central da terapia nutricional é a educação nutricional, o planejamento alimentar e o estabelecimento de rotinas regulares de alimentação, com o desencorajamento de dietas restritivas (2). A terapia cognitivo-comportamental pode auxiliar no tratamento nutricional (2).
Suplementação de Zinco: As diretrizes da ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia) recomendam preventivamente a administração de 15 mg de zinco/dia (3). Em caso de deficiência comprovada bioquimicamente, a dose pode ser maior, respeitando uma duração mínima de tratamento de dois meses (3).
Referências Bibliográficas
- ROSS, A. C. et al. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.
- AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION. Position of the American Dietetic Association: Nutrition intervention in the treatment of anorexia nervosa, bulimia nervosa, and other eating disorders. Journal of the American Dietetic Association, v. 106, n. 12, p. 2073–2082, 2006.
- RIBAS FILHO, D.; SUEN, V. M. M. Tratado De Nutrologia. 2. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2019. 646 p.