Humor e Transtornos do Humor: Uma Análise Clínica e Cognitiva


Humor e Transtornos do Humor: Uma Análise Clínica e Cognitiva


Introdução

O humor é uma predisposição emocional estável que se distingue das emoções pontuais por não ter gatilhos específicos. Ele influencia as experiências emocionais diárias e, quando em desequilíbrio, constitui a base dos transtornos do humor.


Conceituação de Humor e Emoção

O dicionário de psicologia da APA define humor como uma tendência a responder emocionalmente às situações cotidianas de maneira específica, mantendo-se estável por horas, dias ou semanas. Ele difere do conceito de emoção, pois as emoções têm gatilhos específicos — por exemplo, a alegria ou a tristeza surgem por um motivo particular. Já no caso do humor, não existe um gatilho específico; a pessoa está simplesmente de bom ou mau humor.

É um fato que o humor influencia o tipo de emoção que uma pessoa sentirá ao longo do tempo. Por exemplo, se alguém estiver com um humor deprimido, a tendência é que sinta mais frequentemente emoções consideradas negativas, como tristeza, medo e raiva. Isso não significa que a pessoa esteja imune à alegria, mas ela terá menos espaço no seu dia.


Estados do Humor

Humor Eutímico ou Eutimia

A eutimia ocorre quando o humor está equilibrado. É importante ressaltar que não se trata de uma linha reta; há pequenas flutuações que, contudo, não resultam em prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo, características que definiriam um transtorno.

Humor Depressivo ou Depressão

Caracteriza-se por um humor significativamente rebaixado.

Humor Maníaco ou Mania

Caracteriza-se por um humor significativamente aumentado.

Observação: Quando se descreve o humor como “rebaixado” ou “aumentado”, isso não implica que a pessoa esteja sob o efeito exclusivo de tristeza ou alegria.


Transtornos do Humor

Os transtornos de humor são condições em que a disfunção reside na tendência de uma pessoa manifestar sempre (ou quase sempre) um tipo de emoção, mesmo em contextos nos quais outras emoções seriam mais adaptativas. Esses transtornos rompem com o estado de eutimia, seja por um rebaixamento ou uma elevação do humor.

Depressão

A característica principal da depressão é o rebaixamento crônico do humor. Isso leva à redução da volição (ou vontade) para realizar atividades cotidianas (anedonia), à diminuição do prazer em atividades outrora prazerosas e à desesperança em relação ao presente e futuro.

A severidade do quadro depressivo se correlaciona com déficits mais acentuados em várias funções cognitivas, principalmente na memória episódica, nas funções executivas e na velocidade de processamento. Por isso, pacientes com depressão frequentemente têm dificuldades em recordar eventos específicos, em gerenciar suas próprias vidas e em elaborar pensamentos rápidos (por exemplo, entender uma piada).

É importante esclarecer que, embora os sintomas psiquiátricos possam potencializar os déficits cognitivos, esses já estavam presentes desde o início da doença. Isso levanta a hipótese de que a fragilidade cognitiva funciona como um fator de vulnerabilidade para a instalação do transtorno.

Além disso, alterações na cognição social já foram descritas em pacientes depressivos, especialmente no subcomponente denominado teoria da mente de segunda ordem. Essa faculdade mental permite inferir o que uma pessoa “A” pode estar pensando ou sentindo sobre a pessoa “B”. Devido ao comprometimento nesse processo, é possível que pacientes depressivos apresentem dificuldades em compreender o mundo social e, por isso, acabem ficando mais alheios às interações interpessoais.

Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)

A característica principal do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é a oscilação entre estados de mania e depressão, com durações variáveis. Ele apresenta dois tipos de manifestação:

  • Transtorno Bipolar Tipo 1: O paciente alterna do episódio depressivo para um episódio de mania bem caracterizada.
  • Transtorno Bipolar Tipo 2: Apesar de apresentar a fase depressiva em comum, não possui uma mania extrema; o paciente atinge um nível mais brando de mania, chamado de hipomania.

Observação: Devido à própria natureza da doença, há momentos em que o paciente passa pela zona de eutimia.

Esse transtorno também apresenta, em todas as fases do ciclo, alguns comprometimentos cognitivos que merecem destaque. Mesmo na eutimia, o nível desses déficits é mais ameno, mas eles continuam presentes durante esse período. No entanto, é na fase maníaca que eles atingem o pior resultado.

Esse dado, aliado ao fato de que as alterações neuropsicológicas estão presentes desde o início dos sintomas, também reforça a tese de que as alterações cognitivas no transtorno bipolar são primárias, ou seja, responsáveis por criar a vulnerabilidade do indivíduo ao transtorno em si.

As funções executivas são as faculdades mentais mais comprometidas no transtorno, seguidas pela cognição social. O déficit em funções executivas, principalmente no controle inibitório, pode explicar a impulsividade característica da doença, principalmente, mas não somente, durante a fase maníaca.

Além disso, a alteração em cognição social, especialmente na teoria da mente afetiva e positiva, ajuda a explicar o viés de hostilidade, que é tão característico do transtorno. Esse viés faz com que esses pacientes considerem erroneamente que outras pessoas estão sendo hostis e desrespeitosas com eles, o que pode engatilhar discussões infrutíferas e prejuízos nas relações interpessoais.

Observação: A literatura demonstra que a monoterapia cognitiva não apresenta muita eficácia na melhoria dos sintomas. Estudos indicam a necessidade de medicações e sugerem que a psicoterapia pode funcionar como um meio para esclarecimento e identificação de sinais que indiquem uma possível mudança no quadro.