Os transtornos respiratórios do sono (TRS): Aspectos Epidemiológicos e Fisiopatológicos


Os transtornos respiratórios do sono (TRS): Aspectos Epidemiológicos e Fisiopatológicos


Introdução

Os transtornos respiratórios do sono (TRS) representam um grupo heterogêneo de condições caracterizadas por alterações no padrão respiratório durante o sono, com impactos significativos na oxigenação e na qualidade do sono. A apneia do sono é definida pela ocorrência de múltiplas pausas respiratórias curtas, com duração entre 10 e 50 segundos. Durante esses episódios, podem ser observados roncos, dessaturação de oxigênio no sangue e despertares breves.


Classificação dos Transtornos Respiratórios do Sono

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) classifica os TRS em: (4)

  • Síndrome da Apneia e Hipoapneia Obstrutiva do Sono (SAHOS)
  • Apneia Central do Sono (ACS)
  • Hipoventilação Relacionada ao Sono

Síndrome da Apneia e Hipoapneia Obstrutiva do Sono (SAHOS)

A SAHOS é um tipo de apneia que resulta da obstrução das vias aéreas superiores (VAS) devido ao colabamento periódico. Frequentemente, este distúrbio associa-se a fatores como sobrepeso ou obesidade, pescoço curto e/ou alterações estruturais na cavidade orofaríngea (como palato rebaixado). Clinicamente, pacientes com SAHOS frequentemente relatam roncos altos, que são interrompidos por pausas respiratórias. As manifestações diurnas incluem sonolência de intensidade variável, fadiga e a sensação de sono não reparador. (4)

Critérios Diagnósticos: Para o diagnóstico de SAHOS, na presença de sintomas como ronco e/ou dificuldade respiratória noturna, é necessária a evidência polissonográfica de, no mínimo, cinco eventos de apneia/hipoapneia obstrutiva por hora de sono. Na ausência dos sintomas mencionados, o diagnóstico pode ser estabelecido se a polissonografia identificar 15 ou mais apneias/hipoapneias por hora de sono. (4)

Prevalência: A Síndrome da Apneia e Hipoapneia Obstrutiva do Sono (SAHOS) afeta entre 3% e 7% da população adulta, sendo sua prevalência duas a três vezes maior no sexo masculino (1). Especificamente nos Estados Unidos, a prevalência da apneia varia de 1-2% em crianças, 2-15% em adultos de meia-idade, e atinge 20% ou mais em idosos (4). De forma geral, é consistentemente mais frequente em homens, com uma incidência de 2 a 4 vezes maior em comparação com mulheres (4).

Embora não haja uma indicação de rastreamento universalmente estabelecida para a SAHOS, a identificação de indivíduos com fatores de risco conhecidos pode ser auxiliada pela aplicação de questionários, como o “STOP-Bang” (2, 3).

Relação entre Insônia e Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono

A insônia é o distúrbio do sono mais prevalente, sendo a SAHOS o segundo mais comum (1). A coexistência dessas duas patologias é notavelmente frequente, com estudos prospectivos estimando que a prevalência de pacientes com SAHOS e insônia crônica pode variar entre 39% e 54,9% (1). Contudo, a natureza da relação causal entre insônia e SAHOS, ou seja, se uma condição é fator de risco para a outra, permanece indefinida (1).

Hipóteses Fisiopatológicas da Coexistência

Diversas hipóteses têm sido propostas para elucidar a interação entre insônia e SAHOS. Uma das teorias sugere que a ativação do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA) e do sistema simpático desempenha um papel na fisiopatologia da insônia. Essa ativação resulta em fragmentação do sono e elevação dos níveis de cortisol, criando um ciclo vicioso que perpetua a insônia crônica (1).

A SAHOS, por sua vez, é reconhecidamente capaz de ativar o eixo HPA por meio de mecanismos de ativação autonômica e despertares. Consequentemente, essa ativação pode levar a maior resistência à insulina e hipertensão arterial (1). Alguns autores sugerem que a ativação crônica do eixo HPA pela SAOS pode constituir um fator de risco para o desenvolvimento da síndrome metabólica e de outras condições dependentes do aumento do cortisol, incluindo insônia e depressão (1).

Subtipos de Insônia Associados à SAHOS

Observa-se que 42% dos pacientes com SAOS apresentam clinicamente mais de um subtipo de insônia. A dificuldade em manter o sono é a forma mais comum de insônia associada à SAOS e parece estar relacionada a uma maior sonolência diurna. A dificuldade em iniciar o sono é o segundo subtipo mais prevalente (1).

Implicações Clínicas

Dada a alta prevalência da coexistência de SAHOS e insônia, é fundamental que, em pacientes com insônia, seja considerada uma investigação para a presença de SAOS. Essa investigação deve incluir a avaliação de medidas antropométricas sugestivas de SAHOS, como IMC elevado, aumento da relação cintura/quadril e perímetro cervical, além da pesquisa de sintomas clássicos de SAHOS, como ronco, apneias presenciadas e boca seca matinal (1).


Apneia Central do Sono (ACS)

A ACS é caracterizada por episódios repetidos de apneia (pausas respiratórias breves) e hipoapneia durante o sono, que são causados por uma variabilidade no esforço respiratório involuntário. Este transtorno decorre de uma disfunção no controle ventilatório central, resultando em eventos que ocorrem em um padrão periódico ou intermitente. Os pacientes frequentemente apresentam despertares noturnos, por vezes associados à sensação de sufocamento. As queixas comuns incluem sono não reparador, sonolência e insônia, além de cansaço matinal. (4)

Quando a ACS afeta indivíduos com condições como insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral ou insuficiência renal, pode manifestar-se um padrão respiratório conhecido como respiração de Cheyne-Stokes. Este padrão é caracterizado por um ciclo periódico de crescendo-decrescendo no volume corrente de ar, correlacionado com apneias e hipoapneias centrais. Este padrão ocorre com frequência mínima de cinco eventos por hora e está associado a despertares frequentes. (4)


Referências Bibliográficas

  1. BACELAR LUCIANO RIBEIRO PINTO JR. et al. III Consenso Brasileiro de Insônia. 2013.
  2. MANGIONE, C. M. et al. Screening for Obstructive Sleep Apnea in Adults: US Preventive Services Task Force Recommendation Statement. JAMA, v. 328, n. 19, p. 1945–1950, 2022.
  3. FONSECA, L. B. de M. et al. STOP-bang questionnaire: Translation to Portuguese and cross-cultural adaptation for use in Brazil. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 42, n. 4, p. 266–272, 2016.
  4. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.