O Triptofano na Saúde Humana: Da Regulação do Humor à Homeostase Intestinal


O Triptofano na Saúde Humana: Da Regulação do Humor à Homeostase Intestinal


Introdução

O triptofano (Trp) é um aminoácido essencial, obtido a partir de alimentos proteicos (1). Reconhecido como precursor da serotonina (5-HT) e da melatonina, desempenha um papel multifacetado na regulação de funções biológicas cruciais, como humor, sono, sensibilidade à dor, agressão e controle alimentar (1). Sua versatilidade metabólica e a interação com a microbiota intestinal o tornam um metabólito de grande interesse na pesquisa atual (2).


Metabolismo do Triptofano

O triptofano é um precursor biossintético de inúmeros metabólitos, tanto microbianos quanto humanos (2), incluindo serotonina, melatonina, ácido quinolínico, ácido cinurênico, triptamina e NAD+ (6). Apesar de ser um aminoácido relativamente pouco abundante em proteínas e células (2), seu metabolismo no trato gastrointestinal segue três vias principais:

1. Transformação Direta por Microrganismos

A microbiota intestinal converte diretamente o Trp em diversas moléculas, incluindo ligantes do Receptor de Hidrocarboneto Aril (AhR) (2). Entre os produtos formados, as moléculas de indol e seus derivados atuam como sinalizadores interespécies, controlando aspectos da fisiologia bacteriana, como resistência a antibióticos, esporulação e formação de biofilme (2). A sinalização via AhR é um componente chave da resposta imune na barreira intestinal e é crucial para manter a homeostase intestinal (2). Embora moléculas provenientes da dieta influenciem a atividade do receptor, o metabolismo microbiano é considerado o fator mais importante (2).

2. Via da Quinurenina (KP)

Esta é a via dominante do metabolismo do triptofano, responsável por mais de 90% de sua absorção (3, 4). Ocorre tanto em células imunes quanto epiteliais, mediada pela enzima indoleamina 2,3-dioxigenase (IDO1) (2, 3). A via KP leva à produção de quinurenina (Kyn) e outros metabólitos, como o ácido quinolínico (QA), niacina, nicotinamida, dinucleotídeo de adenina e ácido cinurênico (Kna) (2).

Os produtos finais da via KP estão implicados em diversos processos biológicos, incluindo a modulação de neurotransmissores, inflamação e respostas imunes (2). Certos metabólitos, como o Kna, exercem efeito protetor na mucosa e imunorregulador, provavelmente por meio do receptor acoplado à proteína G, GPR35, expresso em células imunes e epiteliais (2). No entanto, a via KP também pode produzir metabólitos a partir da Kyn que são considerados neurotóxicos (2).

3. Via da Produção de Serotonina (5-HT)

Cerca de 90% da serotonina circulante é produzida no intestino, particularmente nas células enterocromafins (ECs), um subtipo especializado de células epiteliais, via enzima triptofano hidroxilase 1 (TpH1) (2, 4). Embora o cérebro também produza serotonina através da enzima triptofano hidroxilase 2 (TpH2), a serotonina produzida no intestino não atravessa a barreira hematoencefálica em condições fisiológicas normais (2). A microbiota intestinal é um fator chave nessa produção, e acredita-se que os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) estimulem a expressão de TpH1 (2).

A serotonina é uma importante molécula sinalizadora que transmite sinais do intestino para neurônios internos e externos, influenciando o peristaltismo, motilidade, secreção, vasodilatação e absorção de nutrientes (2).

Metabolismo no Organismo

Após a hidroxilação do triptofano a 5-hidroxitriptofano pela triptofano-hidroxilase hepática, a descarboxilação subsequente forma a serotonina (5-hidroxitriptamina) (5). A N-acetilação da serotonina, seguida de sua O-metilação na glândula pineal, forma a melatonina (5). A melatonina circulante é captada por todos os tecidos, incluindo o encéfalo, mas é rapidamente metabolizada por hidroxilação e subsequente conjugação com sulfato ou ácido glicurônico (5). O tecido renal, hepático e as bactérias fecais também convertem o triptofano em triptamina e, subsequentemente, em indol-3-acetato (5).

É amplamente aceito que o triptofano se liga à albumina plasmática, o que limita seu transporte para o cérebro e, consequentemente, a produção central de serotonina (4).


Recomendações Nutricionais e Fontes Alimentares

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a ingestão de 4 mg/kg/dia de triptofano (2, 3). Para adultos, a dose recomendada varia entre 3,5 e 6,0 mg/kg/dia (6).

O triptofano é encontrado em alimentos ricos em proteínas, como:

  • Carnes
  • Laticínios (leite: 50 mg/100g; iogurte: 45 mg/100g) (2, 7)
  • Ovos
  • Peixes (atum) (2)
  • Aves (2)
  • Frutas (banana: 2)
  • Sementes (amendoim: 2, nozes: 45 mg/100g) (2, 7)
  • Cereais (aveia: 2, arroz integral: 90 mg/100g) (7)
  • Pães (pão: 2, pão integral: 60 mg/100g) (7)
  • Leguminosas (soja: 45 mg/100g, lentilha: 25 mg/100g) (7)
  • Queijo (2)
  • Tâmara (49 mg/100g) (7)

Suplementação de Triptofano

Apesar de controversa, a suplementação de triptofano é utilizada como sedativo, antidepressivo e para a Síndrome Pré-Menstrual (TPM) (1). Embora seus efeitos sedativos sejam “reduzidos”, apresenta benefícios no sono sem efeitos colaterais no dia seguinte, como comprometimento do tempo de reação, destreza ou desempenho motor (1).

Estudos têm considerado doses de 1-15g/dia de triptofano, com apenas um caso relatando efeitos gastrointestinais (3). No entanto, a suplementação pode elevar a pressão sanguínea, o que representa um risco potencial (3). É crucial considerar que o triptofano é amplamente utilizado na via da quinurenina, que pode gerar metabólitos indesejados (3).


Triptofano e Condições Clínicas Específicas

Doenças Inflamatórias Intestinais (DII)

Diversas publicações associam as DII a alterações no metabolismo do triptofano, possivelmente devido a disbiose microbiana (2). Em pacientes com DII, observa-se uma diminuição na produção de ligantes de AhR pela microbiota e uma superativação da IDO1, tanto local quanto sistemicamente, refletindo um aumento da ativação imune (2).

A administração de Lactobacillus, que produzem agonistas de AhR, demonstrou melhora na severidade da colite em ratos, sugerindo um potencial terapêutico (2). Em cenários de superativação da IDO1, a disponibilidade de Trp intestinal diminui, contribuindo para menor produção de agonistas de AhR pela microbiota. Nesses casos, a suplementação de Trp pode ser útil para aliviar os sintomas, restaurando a produção de AhR pela microbiota (2).

Síndrome do Intestino Irritável (SII)

A SII está associada a distúrbios na função da serotonina no processo digestivo (6). Pacientes com SII apresentam maior concentração de quinurenina no sangue, e esse aumento é correlacionado com a severidade dos sintomas (6). Em particular, pacientes com SII-C (com predomínio de constipação) demonstram liberação prejudicada de serotonina pós-prandial (6). A terapia para SII deve considerar a modulação do metabolismo do triptofano para aumentar sua disponibilidade (6).

Síndrome Metabólica e Obesidade

Pacientes com síndrome metabólica exibem maior ativação da IDO1 e aumento sérico de Kyn (2). Relações entre a razão Kyn/Trp e a obesidade, Índice de Massa Corporal (IMC) e triglicerídeos já foram correlacionadas (2, 6). Níveis séricos de Kyn e a razão Kyn/Trp estão aumentados em indivíduos obesos (6). A obesidade também está relacionada a alterações no metabolismo do Trp e da tirosina (6).

Na síndrome metabólica, foram encontradas quantidades diminuídas de 5-HT, negativamente correlacionadas com o IMC e a gordura corporal (2). A inflamação crônica de baixo grau, comum nessas patologias, pode contribuir para a ativação da IDO1. A superativação da via KP também pode estar associada à resistência à insulina (2). A inflamação de baixo grau, juntamente com a maior ativação da via IDO, pode estar ligada a desordens de humor e ao desejo por carboidratos (6). A suplementação de triptofano, em conjunto com uma dieta hipocalórica, pode ser interessante no tratamento da obesidade, pois o aumento da disponibilidade de Trp pode reduzir sintomas depressivos (6).

Desordens Psiquiátricas

O Kna e o QA atuam, respectivamente, diminuindo e aumentando os níveis extracelulares de glutamato, que tem sido implicado em distúrbios de ansiedade e estresse (2). A superativação da via KP (IDO1), embora ainda não totalmente compreendida, influencia a homeostase cerebral do glutamato (2). Estudos indicam que a superativação da IDO1 está associada a uma baixa disponibilidade de 5-HT no cérebro, o que se relaciona à depressão (2). Uma hipótese similar é levantada para a depressão na obesidade, onde a inflamação crônica e a ativação da IDO1 contribuem para o efeito depressivo (2).

A primeira linha de tratamento para depressão envolve o uso de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Acredita-se que seus efeitos benéficos resultem no aumento sináptico de monoaminas, principalmente serotonina e noradrenalina, com subsequente ativação serotoninérgica e noradrenérgica (4). O triptofano tem sido sugerido como um possível marcador para desordens psiquiátricas relacionadas à serotonina (6).

Transtornos Alimentares

A serotonina está envolvida na regulação da saciedade, tornando o triptofano relevante na fisiopatologia de transtornos como a anorexia nervosa (6). Mulheres são frequentemente mais vulneráveis à restrição alimentar, o que pode levar à deficiência de triptofano e sua disponibilidade (6).

Síndrome Pré-Menstrual (TPM) e Menopausa

A TPM pode aumentar o catabolismo do triptofano (6). A diminuição do estrógeno durante a menopausa, bem como em mulheres com câncer de mama, tem como efeito colateral a redução dos níveis de serotonina (4).

Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Em indivíduos com TEA, é comum observar baixos níveis de triptofano devido à alta seletividade alimentar e à restrição dietética “autoimposta” (6). Níveis reduzidos de Trp podem intensificar sintomas como irritabilidade e depressão leve (6).


Triptofano, Serotonina e Melatonina: Interconexões

As plaquetas carregam 8-10% da serotonina total do organismo, mesmo não sendo capazes de produzi-la (3). A serotonina liberada pelos neurônios mioentéricos estimula a motilidade intestinal e aumenta a produção de muco. Já a serotonina liberada pelas células enterocromafins pode ter um efeito pró-inflamatório no intestino, estimulando a motilidade em certas circunstâncias (3). A serotonina gastrointestinal parece ter outras funções relacionadas à síntese e turnover ósseo, regeneração hepática, inflamação respiratória e asma (3). É também um neurotransmissor que contribui para a saciedade e o controle da fome, desempenhando um papel maior no consumo de carboidratos e lipídios (6).

A serotonina produzida no cérebro induz saciedade. Embora a serotonina intestinal não possa atravessar a barreira hematoencefálica, os precursores da 5-HT e o próprio triptofano são capazes de fazê-lo, configurando um possível alvo para a modulação da produção de serotonina central (2). A quantidade de serotonina produzida no cérebro é uma pequena fração do total do organismo (3). No cérebro, a síntese ocorre a partir da enzima triptofano hidroxilase, que é um fator limitante na produção de serotonina; no entanto, em condições normais, ela opera a 50% de sua capacidade, tornando-a um “alvo” para a suplementação (3). Os receptores de serotonina no cérebro estão envolvidos na aprendizagem e memória, incluindo regiões como o córtex, amígdala e hipocampo (4).

As células enterocromafins no intestino são as maiores produtoras e armazenadoras de serotonina, e acredita-se que também sejam o principal sítio de produção de melatonina no intestino (3). Embora a suplementação de triptofano não tenha sido capaz de estimular a síntese e secreção de melatonina pela glândula pineal, as células enterocromafins intestinais são produtoras e liberadoras de melatonina, responsivas ao consumo de triptofano, e são capazes de aumentar os níveis de melatonina na corrente sanguínea (3).

O triptofano é frequentemente utilizado em distúrbios do sono devido ao seu efeito terapêutico na produção de melatonina (6). Um dos seus principais benefícios é a ausência de efeitos adversos na cognição (6). Estudos no Japão sugeriram que um café da manhã rico em Trp, combinado com exposição adequada à luz solar e menor estímulo luminoso à tarde/noite, pode aumentar a produção de serotonina (6). Em relação aos pesadelos, um estudo mostrou que a suplementação de L-5-hidroxitriptofano por 1 mês resultou na redução de mais da metade dos pesadelos em crianças (6).


Triptofano e Saúde Intestinal

Estudos recentes demonstraram que o triptofano exerce um efeito protetor no intestino, contribuindo para aumentar a expressão das proteínas claudina-3 e ZO-1 (zonula occludens) no intestino delgado de animais, favorecendo o fortalecimento das tight junctions (6).


Cognição e Triptofano

É importante notar que estudos demonstram que o excesso de triptofano pode, paradoxalmente, prejudicar a cognição em vez de auxiliar (6).


Referências Bibliográficas

  1. LIEBERMAN, H. R. Nutrition, brain function and cognitive performance. Appetite, v. 40, n. 3, p. 245–254, 2003.
  2. AGUS, A.; PLANCHAIS, J.; SOKOL, H. Gut Microbiota Regulation of Tryptophan Metabolism in Health and Disease. Cell Host Microbe, v. 23, n. 6, p. 716–724, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.chom.2018.05.003.
  3. FERNSTROM, J. D. A Perspective on the Safety of Supplemental Tryptophan Based on Its Metabolic Fates. J Nutr, v. 146, n. 12, p. 2601S-2608S, 2016.
  4. JENKINS, T. A. et al. Influence of tryptophan and serotonin on mood and cognition with a possible role of the gut-brain axis. Nutrients, v. 8, n. 1, p. 1–15, 2016.
  5. RODWELL, V. W. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 30. ed. ArtMed, 2017. 817 p.
  6. KAŁUŻNA-CZAPLIŃSKA, J. et al. How important is tryptophan in human health? Crit Rev Food Sci Nutr, v. 59, n. 1, p. 72–88, 2019.
  7. SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.
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