Folato (Vitamina B9): Funções, Deficiência e Implicações Clínicas


Folato (Vitamina B9): Funções, Deficiência e Implicações Clínicas


Introdução

O folato, ou vitamina B9, é um micronutriente hidrossolúvel essencial, cuja forma biologicamente ativa é o ácido tetrahidrofólico (THF). Ele é crucial para processos metabólicos fundamentais, como a síntese de DNA/RNA e a regulação da expressão gênica.


Metabolismo e Funções do Folato no Organismo

O termo ácido fólico é genérico para compostos com atividade similar ao ácido pteroilglutâmico, enquanto folato é o termo preferencial para pteroilglutamato, podendo ambos serem usados genericamente para incluir poliglutamatos (1). O ácido fólico é a forma sintética da vitamina, completamente oxidada e encontrada apenas em alimentos fortificados, suplementos e medicamentos, sendo mais estável e amplamente utilizada para fortificação de alimentos (2, 7, 9).

No organismo, o ácido fólico é convertido em di-hidrofolato (DHF) e, posteriormente, em tetrahidrofolato (THF) pela enzima di-hidrofolato redutase (DHFR) para ser incorporado ao ciclo do folato (9). Contudo, a atividade da DHFR em humanos é baixa e saturável, limitando a conversão do ácido fólico e resultando na presença de ácido fólico não metabolizado (AFNM) na circulação (9). Na circulação e nos alimentos, a forma predominante é o 5-metil-tetrahidrofolato (5-metil-THF), que representa cerca de 98% do folato no plasma humano (7, 9).

Funções Essenciais:

O folato é fundamental para (5, 9):

  • Síntese de DNA/RNA.
  • Biossíntese de novos nucleotídeos de purinas e timidilato.
  • Reações de metilação para a regulação da expressão gênica.
  • Remetilação da homocisteína a metionina.
  • Prevenção de defeitos do tubo neural (DTN).

Ele desempenha um papel importante em tecidos com elevada taxa de renovação celular, como leucócitos, hemácias, tecidos do sistema gastrointestinal e o útero (5).

Absorção e Biodisponibilidade:

A absorção do ácido fólico ocorre no intestino delgado, auxiliada por um sistema enzimático intestinal especializado chamado conjugase (8). Fatores no lúmen intestinal podem impedir a absorção do folato em sua forma natural, como a liberação parcial da matriz alimentar, destruição de sua estrutura no trato gastrointestinal e hidrólise incompleta do glutamato (7). Além disso, elementos pós-absortivos, como o estado nutricional do indivíduo em relação à vitamina ou outros nutrientes específicos, e variações genéticas, podem interferir na biodisponibilidade do folato (7).

A absorção do folato é saturável e dependente do pH gástrico e da presença de ácido ascórbico, que ajudam a manter o folato em seu estado molecular funcional (1). A absorção também é parcialmente dependente de zinco; a deficiência de zinco pode afetar a absorção de folato (1). Estudos de longo prazo indicam que a biodisponibilidade do ácido fólico varia de aproximadamente 30-98% (7). A biodisponibilidade do folato de frutas, hortaliças e fígado bovino é de aproximadamente 80% (7). A biodisponibilidade do folato do leite ou de dietas contendo leite é consideravelmente maior do que a do folato livre (1).

Na deficiência de vitamina B12, ocorre prejuízo na atividade da metionina sintase, levando a uma diminuição da retenção de folato nos tecidos (1).

Excreção:

Há pouca perda de folato pela urina, pois ele se liga a proteínas, o que reduz a filtração glomerular (1). A perda fecal de folato também é pequena (cerca de 200 mcg/dia), e essa excreção representa a síntese pela flora intestinal, e não o consumo alimentar (1).


Recomendações Nutricionais e Fontes Alimentares

Recomendações Dietéticas (RDA) (7):

  • Adultos (>18 anos): 400 mcg/dia
  • Gestantes: 600 mcg/dia
  • Lactantes: 500 mcg/dia
  • Limite Superior Tolerável (UL): 1000 mcg/dia

É recomendado que toda mulher em idade fértil seja suplementada com folato devido às chances de ocorrer uma gravidez (1).

Fontes Alimentares:

Fígado bovino, levedo de cerveja, vegetais verde-escuros (brócolis, espinafre, couve), ervilhas, grãos, feijão, lentilha, laranja, gema de ovos e leite (1, 2).


Deficiência de Folato: Causas, Sinais e Fatores de Risco

Apesar de o folato estar amplamente distribuído nos alimentos, sua deficiência é comum (1). A ingestão inadequada leva inicialmente a uma diminuição nas concentrações de folato no soro, seguida pela redução nos eritrócitos, aumento da concentração de homocisteína, e alterações megaloblásticas na medula óssea e em outros tecidos de rápida divisão celular (6, 7).

Causas e Consequências:

  • Deficiência de Vitamina B12: Pode gerar uma deficiência funcional de folato (“sequestro”), tornando o folato disponível “inútil” (3).
  • Anemia Megaloblástica (Macrocítica): Tanto a deficiência de folato quanto a de Vitamina B12 são responsáveis pelo desenvolvimento da anemia megaloblástica, pois as células de divisão rápida necessitam de grandes quantidades de timidina para a síntese de DNA, prejudicando a medula óssea (1, 3).
  • Etilismo crônico: Frequentemente associado à deficiência de folato (1, 2, 7).
  • Câncer colorretal: Alguns estudos associaram a deficiência de folato a um risco aumentado (1).
  • Drogas: Certos medicamentos podem induzir a deficiência (ver seção Interação Fármaco-Nutriente) (1, 2).
  • Enxaquecas: Associação observada entre deficiência de folato e enxaquecas.

Sinais Hematológicos da Deficiência (6):

Os sinais manifestam-se primeiro nos neutrófilos e, em seguida, nos eritrócitos, reduzindo sua concentração no sangue e resultando em anemia. Na anemia megaloblástica, ocorre a liberação de eritrócitos imaturos na circulação devido à falha na maturação normal na medula óssea (1). Pode haver baixa contagem de leucócitos e plaquetas, além de aumento no número de neutrófilos hipersegmentados (1).

Geralmente ocorre (9):

  • Macrocitose.
  • Diminuição dos reticulócitos.
  • Presença de macro-ovalócitos.
  • Hipersegmentação de neutrófilos.
  • Anisocitose.
  • Poiquilocitose (alteração na forma da hemácia) no esfregaço periférico.

Fatores de Risco para Deficiência (9):

  • Crianças.
  • Mulheres em idade reprodutiva.
  • Gestantes.
  • Lactantes.
  • Idosos.
  • Alcoólatras crônicos.
  • Pessoas em situação de vulnerabilidade.
  • Condições patológicas de má absorção ou aumento de divisão celular.
  • Uso de medicamentos que prejudicam o metabolismo do folato.

Exames Bioquímicos para Avaliação do Folato

As concentrações de folato estão diretamente correlacionadas com a ingestão. Níveis baixos estão associados a concentrações elevadas de homocisteína e anemia megaloblástica (6).

Nota: Os valores indicativos de deficiência são baseados na concentração de folato capaz de desencadear a anemia macrocítica. Valores elevados são baseados no limite superior do método de detecção e não necessariamente indicam prejuízos à saúde (9).

Conversão: 1 ng/mL = 2,265 nmol/L (9).

Folato Sérico/Plasmático:

Reflete o consumo recente (1, 9).

  • Deficiência: < 3 ng/mL ou < 7 nmol/L (7, 9).
  • Possível deficiência: 3-5,9 ng/mL ou 7-14 nmol/L (7, 9).
  • Normal: 6-20 ng/mL ou 14-46 nmol/L (9).
  • Elevado: > 20 ng/mL ou > 46 nmol/L (9).

Folato Eritrocitário:

Reflete os estoques teciduais a longo prazo, pois as células incorporam o folato durante sua formação e o retêm durante sua meia-vida de 120 dias (1, 7, 9).

  • Deficiência: < 226,5 nmol/L ou < 100 ng/mL (9).
  • Deficiência: < 305 nmol/L ou < 140 ng/mL (7).
  • Marginal: 305-340 nmol/L (7).
  • Normal: > 340 nmol/L (7).

Valores Capazes de Aumentar a Homocisteína:

  • Folato sérico/plasmático: < 4 ng/mL ou < 10 nmol/L (9).
  • Folato eritrocitário: < 151 ng/mL ou < 340 nmol/L (9).

Suplementação de Folato

Indicações Gerais:

  • Pré-concepção: 400 mcg/dia (1, 2).
  • Gestantes: 400-600 mcg/dia antes da concepção (1, 3). Gestantes com histórico de deficiência podem necessitar de 4 mg (6). A suplementação visa diminuir a má formação fetal, especialmente defeitos do tubo neural (DTN) (1, 4).
  • Deficiência de folato: 1 mg/dia por 2-3 semanas (6).
  • Crianças e adolescentes: 100 mcg-1 mg/dia (9).
  • Crianças desnutridas (hospitalar): 5 mg no 1º dia, seguido por 1 mg/dia nas 2 semanas seguintes (via oral) (9).
  • Anemia megaloblástica.
  • Hiper-homocisteinemia.

A suplementação máxima para nutricionistas é de 1 mg/dia. Se não houver sinais de má absorção, a suplementação oral pode ser utilizada; caso contrário, a via intramuscular pode ser necessária (9).

Considerações Importantes:

  • A suplementação de folato corrige a anemia perniciosa, mas não reverte os danos neurológicos causados pela deficiência de Vitamina B12 (3).
  • Insônia, esquecimento e irritabilidade desenvolvidos durante a deficiência de folato respondem bem à suplementação (1).
  • Algumas evidências sugerem que a suplementação de folato acima de 350 mcg/dia pode prejudicar a absorção de zinco (1). Doses maiores que 1 mg/dia podem aumentar a excreção de zinco nas fezes, elevando a demanda por Vitamina B2 e B6.
  • A suplementação de altas doses para veganos e/ou idosos não é recomendada, pois pode mascarar uma possível deficiência de Vitamina B12 (1, 2).

Toxicidade e Segurança

Não foram encontrados efeitos adversos relatados pelo alto consumo de folato proveniente de alimentos (2), nem decorrentes de programas de fortificação da vitamina (9). Com suplementos, doses elevadas (> 15 mg/dia) podem causar desconfortos gastrointestinais, distúrbios do sono e problemas de pele (2). Além disso, a ingestão excessiva de folato pode mascarar a deficiência de Vitamina B12 (7).


Interações Fármaco-Nutriente

Existe um antagonismo entre o ácido fólico e alguns anticonvulsivantes utilizados no tratamento da epilepsia (3). Medicamentos como fenitoína, primidona, barbitúricos, metotrexato (quimioterápicos), trimetoprima (antibacteriano), pirimetamina (antimalárica), nitrofurantoína ou sulfassalazina podem causar a depleção dessa vitamina (1, 7). Contraceptivos orais também podem reduzir as concentrações de folato no soro e nos eritrócitos, embora o mecanismo exato ainda não seja conhecido (7).


Implicações Clínicas do Folato

Gestação e Defeitos do Tubo Neural (DTN):

A suplementação de ácido fólico em gestantes é recomendada para diminuir a má formação fetal, principalmente os defeitos do tubo neural (DTN), como anencefalia e espinha bífida (1, 4). O ácido fólico pode prevenir até 70% desses defeitos (1). A administração é indicada para gestantes pré-concepção (até 12 semanas antes), na dose de 600 mcg/dia (1).

Folato e Homocisteína:

A homocisteína é um aminoácido sintetizado no fígado a partir do metabolismo da metionina. Sua concentração é dependente de folato, Vitamina B6 e Vitamina B12 (5). A deficiência de folato (doador do grupo metil) e de Vitamina B12 (cofator da enzima metionina sintase) prejudicam a remetilação da homocisteína a metionina, resultando em concentrações plasmáticas elevadas de homocisteína. Isso constitui um fator de risco para doenças cardiovasculares, câncer e outros (9). Baixas concentrações de ácido fólico e exercícios físicos intensos estão associados ao aumento da homocisteína, que se relaciona com o aumento da incidência de acidente vascular encefálico, demência e prejuízo da saúde óssea (5). Embora existam evidências dos benefícios da suplementação de B9 sobre as concentrações de homocisteína, ainda não há consenso de que essa suplementação possa melhorar o desempenho esportivo ou minimizar a produção de homocisteína (5).

Depressão e Demência:

Vários estudos demonstram associação entre alterações depressivas e concentrações reduzidas de ácido fólico (1). Alguns trabalhos observaram que a terapia com antidepressivos e ácido fólico foi capaz de aumentar o efeito terapêutico (1). Concentrações elevadas de homocisteína, além de serem relacionadas ao risco cardiovascular, podem estar associadas ao risco aumentado de desenvolvimento da doença de Alzheimer (1).

Câncer:

O ácido fólico tem sido popularmente empregado em conjunto com drogas anticâncer para promover a entrada do medicamento na célula (1).

Desempenho Esportivo:

Em atletas bem nutridos, a suplementação de folato não gerou melhoras no desempenho (4).


Referências Bibliográficas

  1. COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
  2. LANCHA JR, A. H.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Nutrição e Metabolismo Aplicados à Atividade Motora. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2012. 236 p.
  3. RODWELL, V. W. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017. 817 p.
  4. KERKSICK, C. M. et al. ISSN exercise & sports nutrition review update: Research & recommend. Journal of the International Society of Sports Nutrition, v. 15, n. 1, p. 1–57, 2018.
  5. LANCHA JR, A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
  6. SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de Alimentação, Nutrição & Dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.
  7. COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases Bioquímicas e Fisiológicas da Nutrição nas Diferentes Fases da Vida, na Saúde e na Doença. 2. ed. Manole, 2020. 1369 p.
  8. JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no Esporte – Diretrizes Nutricionais e Bioquímica e Fisiologia do Exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.
  9. BRAGA, J. A. P.; AMANCIO, O. M. S. Deficiências Nutricionais – Manual para Diagnóstico e Condutas. 1. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2022. 216 p.

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