Vitamina E: Recomendações, Fisiologia e Aplicações Clínicas


Vitamina E: Recomendações, Fisiologia e Aplicações Clínicas


Introdução

A vitamina E é um micronutriente lipossolúvel essencial, amplamente reconhecida por suas notáveis propriedades antioxidantes.


Recomendações Nutricionais

As Recomendações Dietéticas Diárias (RDA) para α-tocoferol são estabelecidas da seguinte forma:

  • Adultos: 15 mg/dia (4)
  • Gestantes: 15 mg/dia (4)
  • Lactantes: 19 mg/dia (4)

O Limite Superior Tolerável (UL) de ingestão é de 800 mg/dia de α-tocoferol (4). É importante notar que 1 UI de Vitamina E equivale a aproximadamente 1,49 mg, ou seja, 10 UI equivalem a cerca de 15 mg.

Fontes Alimentares

As principais fontes alimentares de Vitamina E incluem (4):

  • Óleos vegetais
  • Cereais integrais
  • Sementes (linhaça, girassol)
  • Oleaginosas (baru, castanhas, nozes, amêndoas, pistache, macadâmia)
  • Abacate
  • Açaí
  • Gérmen de trigo
  • Azeite
  • Peixes gordurosos (salmão, atum, sardinha, cavala, arenque)
  • Ovos
  • Fígado

Fisiologia e Compostos da Vitamina E

A Vitamina E é um antioxidante não enzimático que previne reações de peroxidação lipídica, especialmente em ambientes lipofílicos (1). Ela é o principal antioxidante da membrana celular, capaz de inibir a ação dos radicais livres e, consequentemente, reduzir a propagação da peroxidação lipídica (4).

O termo “Vitamina E” engloba uma família de oito compostos homólogos naturalmente sintetizados por plantas: os tocoferóis e os tocotrienóis (2, 4). Além desses, existe a forma sintética da Vitamina E, que consiste em uma mistura de isômeros de tocoferóis e tocotrienóis (4).

No organismo, a forma mais importante e mais utilizada é o α-tocoferol. As outras formas, apesar de serem absorvidas, não são convertidas em α-tocoferol e são menos reconhecidas pelas proteínas transportadoras (4).


Biodisponibilidade, Absorção e Metabolismo

Todas as formas de Vitamina E são absorvidas pelo trato gastrointestinal e transportadas via quilomícrons e HDL para o fígado. Contudo, o α-tocoferol é preferencialmente separado e secretado dentro da VLDL e HDL na corrente sanguínea para distribuição no organismo (4).

O principal local de absorção é na porção proximal do intestino delgado, no jejuno, e sua absorção é dependente de uma função pancreática adequada, secreção de bile e formação de micelas (4). Nas micelas, a Vitamina E se solubiliza e pode ser transportada através da membrana da borda em escova para os enterócitos, possivelmente por difusão passiva (4). Ésteres de tocoferol requerem hidrólise no intestino delgado antes da absorção (4).

Diversas variáveis podem interferir na absorção da Vitamina E, incluindo (4):

  • Matriz alimentar (óleo vegetal, suplementos, etc.)
  • Quantidade de macro/micronutrientes consumidos na refeição
  • Atividade de enzimas digestivas
  • Transporte eficiente da vitamina E através das células intestinais
  • Fatores genéticos

A absorção da vitamina é aumentada por triglicerídeos de cadeia média (TCM) e inibida por ácidos graxos insaturados, provavelmente devido a interações químicas entre os tocoferóis e os ácidos graxos. Em humanos, a absorção da vitamina varia entre 20% e 86% (4).

No fígado, uma proteína específica, a α-TTP, seleciona o α-tocoferol entre os demais tocoferóis para incorporação nas VLDLs, razão pela qual é a forma mais encontrada no sangue e nos tecidos (4). O α-tocoferol também se acumula em tecidos extra-hepáticos, especialmente em locais de alta produção de radicais livres, como as membranas das mitocôndrias e do retículo endoplasmático de células cardíacas e pulmonares (4).

Nos tecidos, a absorção da vitamina ocorre por meio da lipase lipoproteica, que hidrolisa os quilomícrons e VLDLs liberando a vitamina, ou por meio dos receptores dessas lipoproteínas (4). A atividade biológica da Vitamina E nos tecidos é influenciada pela quantidade de proteínas ligadoras de tocoferol, que, embora citosólicas, transportam a vitamina para dentro da membrana lipídica onde ela atua (4).

A maior parte da Vitamina E é metabolizada antes de ser excretada (4).


Funções Metabólicas

A principal função da Vitamina E é atuar como antioxidante lipídico não enzimático, tanto in vitro quanto in vivo (4). Além disso, desempenha um papel crucial na proteção da membrana celular, na regulação da agregação plaquetária e na ativação da proteína quinase C (4). No tecido endotelial, o aumento das concentrações de α-tocoferol pode inibir a agregação plaquetária (4). É uma vitamina antioxidante lipossolúvel, capaz de reduzir metabólitos estáveis e não prejudiciais, protegendo fosfolipídios insaturados presentes em membranas biológicas (lipoproteínas, membrana celular, bainha de mielina, hemácias, membrana mitocondrial, DNA) da degeneração oxidativa.


Deficiências e Diagnóstico

A deficiência de Vitamina E é rara em humanos, mas pode ocorrer em pacientes com má absorção grave de gordura, fibrose cística e algumas doenças hepáticas crônicas, que são incapazes de absorver ou transportar a vitamina, resultando em lesão das membranas neurais e musculares (2, 4).

O diagnóstico da deficiência geralmente se manifesta com alterações no sistema nervoso central, identificadas como distúrbios neuropatológicos (4). Estudos de depleção mostram que são necessários muitos meses para uma queda significativa na concentração de tocoferol circulante, indicando que as reservas teciduais da vitamina são relativamente grandes (4).

Sinais e Sintomas da Deficiência:

  • Maior estresse oxidativo
  • Comprometimento da bainha de mielina, levando a neuropatias
  • Pálpebras caídas (devido a lesões neurológicas)
  • Peroxidação lipídica, resultando em anemia hemolítica (devido a hemólise peroxidativa)
  • Fadiga
  • Aterogênese
  • Maior risco de lesões vasculares em pacientes com Diabetes Mellitus (DM) e síndrome metabólica.

O índice mais comum para avaliação do estado nutricional da Vitamina E é a concentração plasmática de α-tocoferol (4).


Suplementação Nutricional

A capacidade do plasma de aumentar a concentração de α-tocoferol é limitada devido à sua dependência do teor de lipídeos circulantes (4). Indivíduos com concentrações normais da vitamina (cerca de 25 mmol/L) geralmente não conseguem aumentar mais de 2-3 vezes esses níveis, independentemente da duração e dosagem da suplementação (4).

Em elevadas altitudes, a suplementação de Vitamina E pode ter um efeito ergogênico (3), porém, não foram observadas melhorias ao nível do mar (3). É crucial ter cuidado com a suplementação isolada, pois qualquer antioxidante é potencialmente pró-oxidante.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu uma ingestão habitual de suplementos de até 720 mg/dia (4). Alguns autores afirmam que uma ingestão entre 100-300 mg/dia pode ser considerada completamente inofensiva, e riscos de efeitos adversos seriam encontrados em ingestões acima de 3 g/dia (4).


Aplicações Clínicas e Evidências

Antioxidantes e Exercícios Físicos

A suplementação de tocoferol não demonstrou eficácia na proteção contra a peroxidação lipídica induzida pelo exercício (1). Alguns autores reforçam que a suplementação de antioxidantes pode alterar a resposta natural de adaptação ao exercício (1).

Vitamina E e Glicemia

Alterações na glicemia podem levar a disfunções na via da Proteína Quinase C (PKC), resultando em uma série de alterações como a diminuição da luz arterial (redução de NO e espessamento das artérias), aumento do risco de trombose (elevação do fibrinogênio), maior adesão de monócitos à parede endotelial (inflamação e aterogênese) e aumento do NFκB. A Vitamina E, por sua vez, modula a função plaquetária e inibe a formação de trombina, além de inibir a via PKC.

Vitamina E e Selênio

A enzima dependente de selênio, glutationa peroxidase (GPx), reduz o peróxido de hidrogênio a água, diminuindo a quantidade de peróxido disponível para a geração de radicais livres. A Vitamina E, por outro lado, está envolvida na remoção de produtos de ataque por esses radicais (4). Dessa forma, o selênio pode atenuar a deficiência de Vitamina E ao diminuir as concentrações de precursores de radicais, e na deficiência de selênio, a Vitamina E também apresenta um efeito protetor (4).

Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)

Existem evidências de que concentrações séricas de α-tocoferol estão associadas à redução do risco de DCNT (4). Sugere-se que o consumo das recomendações individuais de 15 mg/dia seja suficiente. No entanto, o consumo de alimentos fontes nem sempre é popular, o que pode tornar a suplementação necessária em algumas situações (4).

Doenças Cardiovasculares

Estudos epidemiológicos sugerem uma forte associação entre a ingestão de antioxidantes, especialmente a Vitamina E, e a redução da morbidade e mortalidade por doença arterial coronariana (4). Em estudos in vitro e em modelos animais, o α-tocoferol demonstrou potente atividade antioxidante e anti-inflamatória, podendo inibir vários eventos biológicos envolvidos na aterosclerose. Em humanos, foi observado que, até certo ponto, a Vitamina E pode prevenir as consequências da LDL oxidada (4).

Contudo, em estudos de longo prazo, essa associação ainda não foi confirmada (4). Os dados atuais não permitem afirmar com clareza que um suplemento de Vitamina E pode ser indicado para essa finalidade (4). Inclusive, existem trabalhos que relataram um efeito pró-oxidante da vitamina, o que reforça a cautela necessária com sua suplementação (4).

Diabetes

Estudos envolvendo Vitamina E e diabetes ainda não chegaram a uma conclusão definitiva sobre o efeito antioxidante da suplementação para diabéticos (4). Tem sido proposto que a Vitamina E talvez seja capaz de retardar complicações tardias desenvolvidas nessa população, como retinopatia, úlceras nos pés e doenças cardiovasculares, considerando um tratamento de longo prazo (4). Entre os mecanismos sugeridos estão as propriedades anti-inflamatórias da Vitamina E, além de demonstrações in vitro de aumento da secreção e ação da insulina, possivelmente protegendo as células pancreáticas do dano por radicais livres (4). Entretanto, a suplementação para diabéticos ainda é considerada prematura (4).

Câncer

Os estudos que relacionam Vitamina E e câncer não apresentaram resultados positivos robustos, apesar de serem bem embasados. Muitos ainda são controversos, principalmente porque dependem do tipo de câncer (4).

Função Imune

Alguns estudos demonstram uma melhora da função imune, especialmente em indivíduos idosos (4). Embora não haja uma recomendação específica de dosagem, as evidências têm se mostrado favoráveis a essa medida (4). Em animais e em humanos, a deficiência de Vitamina E parece prejudicar a função imune, de modo que sua suplementação pode melhorar a resposta imunológica e a resistência contra diversos patógenos (4). Em animais, a suplementação com Vitamina E foi capaz de aumentar a resistência, inclusive, ao vírus da influenza (4).

Catarata

Experimentos controlados que utilizaram apenas Vitamina E não conseguiram demonstrar efeitos na diminuição do risco da doença (4). Portanto, a suplementação para essa finalidade não é recomendada (4).

Doença de Alzheimer e Comprometimento Cognitivo

Existem evidências que apoiam o uso de antioxidantes na prevenção ou retardo da doença de Alzheimer, devido à crença de que essa doença esteja relacionada ao dano oxidativo cerebral (4). Experimentos com culturas de células e animais indicam que a Vitamina E e outros antioxidantes podem prevenir a morte celular induzida por radicais livres e diminuir a deterioração cognitiva (4).

No entanto, estudos realizados não apoiam o uso de suplementos por nenhum indivíduo, seja por deficiência ou pela idade, com o objetivo de melhorar o comprometimento cognitivo (4).


Referências Bibliográficas

  1. LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
  2. RODWELL, V. W. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 30. ed. ArtMed, 2017. 817 p.
  3. KERKSICK, C. M. et al. ISSN exercise & sports nutrition review update: Research & recommendat. J Int Soc Sports Nutr., v. 15, n. 1, p. 1–57, 2018.
  4. COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
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