Linguagem e Pensamento em Vygotsky: Um Modelo Histórico-Cultural do Desenvolvimento Humano
Introdução
Lev Semionovitch Vygotsky propôs um modelo histórico-cultural para compreender a relação dialética entre o biológico e o social no desenvolvimento humano. Para Vygotsky, a linguagem, em suas diversas formas de manifestação (vocalizada, escrita, corporal, por sinais, códigos, imagens e musicalizada), é um elemento central na constituição do ser humano, que se forma e se transforma ativamente nas relações sociais. O indivíduo, segundo ele, não é um ser passivo, mas age sobre o mundo por meio das interações sociais, e é nessas interações que se buscam as origens das formas superiores do comportamento.
A Natureza Social e Psicológica da Criança
Para Vygotsky, desde o nascimento, a criança interage com os adultos, que, por sua vez, tentam incorporá-la às suas culturas. À medida que as crianças crescem, esses processos sociais são internalizados por meio de um processo de interiorização. Essa interiorização é fruto das relações com a cultura e com a história, de modo que a natureza social das pessoas torna-se também sua natureza psicológica.
Raízes do Pensamento e da Linguagem no Plano Filogenético
Os estudos sobre a linguagem foram iniciados a partir da observação de animais. Vygotsky não realizou experimentos próprios, mas utilizou estudos existentes com animais para compreender a relação entre pensamento e linguagem (1).
Um dos estudos feitos na época com chimpanzés e outros antropoides permitiu perceber que a linguagem nos animais se constitui por meio de sons e gestos, através dos quais eles se comunicam. Outra observação feita acerca dessas linguagens primitivas foi que, junto à incidência sonora (grunhido, barulho, grito), há também um gesto que movimenta os outros animais que estão perto. Vygotsky percebeu que essa movimentação é muito semelhante às linguagens infantis e aos primeiros movimentos que a criança emite (1).
A partir dessas observações, Vygotsky concluiu que o pensamento e a fala (até então considerados de mesma matriz) têm raízes genéticas diferentes. As duas funções, linguagem e pensamento, desenvolvem-se de formas diferentes e independentes, observando que os antropoides possuem semelhanças com o homem no uso da fala com função social e de descarga emocional (1).
Nota: No caso do ser humano, há uma estreita correspondência entre o pensamento e a fala. Pensamento e linguagem, embora tenham raízes genéticas diferentes, possuem uma correspondência. Há duas concepções um pouco distintas, mas interligadas: a primeira fase, que Vygotsky denomina de linguística do pensamento, e outra fase, denominada pré-intelectual da fala.
Raízes do Pensamento e da Linguagem no Plano Ontogenético
Vygotsky descreve o desenvolvimento da linguagem a partir de etapas ou fases (1):
Estágio Natural ou Primitivo
É o momento em que a fala é pré-intelectual, ocorrendo sob a forma de balbucio, choro e riso. O pensamento é pré-verbal, e as representações de objeto são rudimentares. Nesta fase, a criança emite ações (se debate), chora e grita para atrair a atenção e se comunicar.
Estágio das Experiências Psicológicas Ingênuas
Neste estágio, a criança já consegue interagir com objetos e pessoas ao seu redor, iniciando o desenvolvimento de uma inteligência prática. As formas e estruturas gramaticais já são utilizadas corretamente, ainda que sem a compreensão lógica (causalidade, temporalidade, condicionalidade, etc.).
Nota: Aqui, a fala e o pensamento se aglutinam e passam a servir ao intelecto, então os pensamentos passam a ser verbalizados. Os sintomas que indicam a ocorrência são a curiosidade ativa da criança pelas palavras, demonstrando grande interesse em saber o nome das coisas, e a ampliação do vocabulário. Esse momento varia de acordo com as condições físicas e estimulações de cada criança. Ela também já começa a elaborar as palavras e atribuir um sentido a elas, que é construído socialmente. Emite um gesto de apontar, que é acompanhado pela verbalização do objeto por parte de seu cuidador, buscando imitar o som até tê-lo modelado.
Estágio da Fala Egocêntrica
Caracteriza o momento de transição das funções interpsíquicas, em que a fala egocêntrica nas relações interpessoais começa a desaparecer, dando lugar à fala interior das funções intrapsíquicas.
Nota: A criança gradualmente migra de atividades sociais e coletivas para atividades mais individualizadas. Junto com a experiência física do objeto, ela tem uma imagem mental do que seja aquele objeto e passa a utilizar a fala de uma forma muito representativa, imaginária. É nesse momento que a criança explora a linguagem para descrever as próprias fantasias, sem uma função interpessoal. E, descrevendo os próprios pensamentos, brinca falando sozinha (consigo). A criança está trabalhando com o significado, com o sentido dessas palavras para ela por meio do ato de brincar, que é a criação imaginária, a brincadeira do faz de conta.
Estágio de Crescimento Interior
A partir dos 8 anos, é o momento em que a criança opera com fala interior, caracterizando o surgimento do pensamento verbal, das deduções lógicas, das representações mentais e simbólicas.
Nota: Essa fusão é um momento marcante no desenvolvimento da nossa linguagem porque as curvas do pensamento e da fala, até então separadas, unem-se para dar início a uma nova forma do comportamento: o pensamento torna-se verbal, e a fala torna-se intelectual. Falar e pensar tornam-se uma atividade unificada em nosso processo intelectual. O momento mais significativo no percurso do desenvolvimento intelectual acontece quando a fala e a atividade prática, até então consideradas duas linhas que seguem trajetórias distintas e independentes, cruzam-se, dando origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata.
Síntese das Conclusões de Vygotsky
Vygotsky concluiu que o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, ou seja, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sócio-histórica da criança (1). O desenvolvimento da fala interior depende de fatores externos, e o crescimento intelectual depende do domínio dos meios sociais do pensamento, que é a linguagem (1). A natureza do próprio desenvolvimento é transformar nossos padrões de ação biológicos para os sócio-históricos (1). A aprendizagem pressupõe uma natureza social específica e um processo por meio do qual as crianças penetram na vida intelectual através daqueles que a cercam (1).
Referências Bibliográficas
- Papalia DE, Martorell G. Desenvolvimento Humano. 14. ed. Artmed; 2022. v. 1.