Zingiber officinale: Propriedades Farmacológicas e Aplicações Terapêuticas


Zingiber officinale: Propriedades Farmacológicas e Aplicações Terapêuticas


Introdução

O Zingiber officinale, popularmente conhecido como gengibre, é uma planta milenarmente utilizada tanto na culinária quanto na medicina tradicional. Suas propriedades terapêuticas são amplamente estudadas, especialmente devido à presença de compostos bioativos que conferem a ele ações anti-inflamatórias, analgésicas, antieméticas e moduladoras do metabolismo.


Nomenclatura e Morfologia

O Zingiber officinale é comumente conhecido como gengibre, magarataia, magaratia e gingibirra (1). Seu nome farmacêutico é Rhizoma Zingiberis Officinale (1). A parte utilizada da planta para fins medicinais é o rizoma (1).


Compostos Bioativos

Os principais compostos bioativos encontrados no gengibre incluem:

  • Óleos Essenciais: bisaboleno, zingibereno, canfeno, α-pineno, cimol, citral, borneol, mirceno, limoneno, sesquifelandreno, gingeróis, gingernonas e shogaóis (1, 2).
  • Compostos Fenólicos: gingeróis e shogaóis (1, 2).

Biodisponibilidade

Os componentes do gengibre demonstram boa absorção. Uma hora após o consumo, seus principais constituintes já são detectáveis no plasma (2).


Principais Indicações Clínicas e Propriedades Farmacológicas

O gengibre e seus constituintes exercem uma ampla gama de atividades farmacológicas, incluindo efeitos pleiotrópicos no sistema gastrointestinal, ações antioxidantes, cardiovasculares, analgésicas e anti-inflamatórias (2). Além disso, a literatura cita efeitos quimiopreventivos, antieméticos, anti-hipertensivos, influências na concentração de glicose e lipídios sanguíneos, e na agregação plaquetária (3).

Efeito Anti-inflamatório e Controle da Dor

Diversos estudos relatam que o gengibre exerce efeitos anti-inflamatórios por meio da inibição da COX-2, NF- κB e 5-LOX (2). Os gingeróis e shogaóis são as principais substâncias responsáveis pelas propriedades anti-inflamatórias do gengibre (1). Propõe-se que os gingeróis atuem como inibidores de prostaglandinas e leucotrienos, contribuindo para seus efeitos anti-inflamatórios (1, 8). Existem evidências crescentes de que o gengibre possui efeitos analgésicos e anti-inflamatórios em humanos com osteoartrite, dismenorreia e outras dores agudas (2, 8). Alguns autores concluíram que o gengibre é capaz de reduzir a experiência subjetiva de dor em certas condições (2).

Osteoartrite

Indicado para o alívio dos sintomas da osteoartrite (2).

Dismenorreia

Estudos demonstraram que o pó de gengibre é tão eficaz quanto o tratamento analgésico convencional na redução dos sintomas da dismenorreia (2). As doses utilizadas variaram de 750 a 2000 mg/dia (2).

Náuseas e Vômitos

O gengibre é amplamente indicado para náuseas e vômitos, incluindo aqueles associados à gravidez e à quimioterapia (até 1500 mg/dia) (2).

Cinemotose

A cinemotose, condição de náuseas e enjoo devido ao movimento, pode ser aliviada com a utilização de 950 mg do rizoma em pó de gengibre (1). Os compostos fenólicos (gingeróis e shogaóis) são os prováveis responsáveis por essa propriedade antiemética (1). Adicionalmente, os resultados sugerem que esse efeito não é mediado pelo sistema nervoso central (SNC), mas sim por uma ação direta no trato digestivo (1). O tratamento com 1-2g do pó de gengibre reduz efetivamente as náuseas, a hiperatividade estomacal e a liberação de vasopressina em indivíduos com cinemotose induzida pelo movimento (1).

Náuseas na Gestação

Um estudo bem conduzido demonstrou eficácia do gengibre na hiperêmese gravídica, com dose de 250 mg, quatro vezes ao dia (1). Outras pesquisas também confirmaram que o uso do gengibre pode ser útil no tratamento de náuseas e vômitos no início da gravidez (1). A dose máxima recomendada na gravidez é de 1 g/dia (1). O gengibre atua nas náuseas tanto pela melhora de quadros de dispepsia, que por si só podem gerar náuseas, quanto diretamente pelo gingerol, que reduz a atividade do receptor de serotonina tipo 3 (5HT3), o mesmo mecanismo de ação da ondansetrona. Este mecanismo é considerado seguro na gestação e pode ser utilizado em crianças acima de 6 anos.

Diabetes / Controle Glicêmico

O extrato de Zingiber officinale pode oferecer proteção contra o diabetes e doenças hepáticas (1). Em ratos, um estudo mostrou que o consumo de gingerol por 4 semanas promoveu o aumento das concentrações de GLP-1 e na transcrição de GLUT-4, melhorando o perfil de resistência à insulina (3). Em indivíduos obesos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2), o consumo de 3 g/dia de gengibre por 3 meses foi capaz de reduzir os níveis de HbA1c e insulina (3). Outro estudo também identificou melhora na resistência à insulina após 8 semanas de suplementação com 3 g/dia de gengibre (3). O gengibre modula fatores inflamatórios, melhorando a resistência à insulina, e atua no metabolismo do receptor de insulina e na via dos ácidos graxos, resultando em maior captação de glicose pelas células (com maior ativação do GLUT4). Um estudo encontrou que o consumo de 1 g, três vezes ao dia, de pó de gengibre por 8 semanas resultou em uma diminuição significativa da glicemia de jejum, hemoglobina glicada e do HOMA-IR (4).

Efeitos Termogênicos

Um estudo que avaliou o uso de 2 g/dia de gengibre em pó encontrou uma diminuição significativa do IMC, mas um leve e não significativo aumento na massa de gordura, que provavelmente se deve a alterações nas quantidades de água corporal dos indivíduos (5). Uma meta-análise observou uma diminuição significativa do peso corporal e de algumas circunferências com a suplementação do rizoma de gengibre em pó, em doses entre 200-1000 mg/dia por 2-12 semanas. Também foi encontrada uma melhora em alguns marcadores bioquímicos, como HOMA-IR, glicemia de jejum e HDL (6). Outro estudo avaliou o consumo de 2 g/dia de gengibre em pó e encontrou um aumento do efeito térmico dos alimentos, com aumento da saciedade (7). Para concluir sobre os efeitos termogênicos do gengibre, mais pesquisas são necessárias.

Digestão

O gengibre aumenta a secreção dos sucos gástricos e hepáticos (bile), promovendo melhor emulsificação da gordura e, consequentemente, melhor digestão (8).

Outras Indicações

  • Queimados (2).
  • Doenças reumáticas, dores e processos inflamatórios (1).
  • Irritação, inflamação da garganta e rouquidão.
  • Gripes, resfriados, tosses e bronquite (1).
  • Hemorroidas (1).
  • Obstrução das vias aéreas: O gengibre tem sido reconhecido por seu papel importante na desobstrução das vias aéreas respiratórias superiores (8).

Posologia

As formas e doses recomendadas para o uso do gengibre incluem:

  • Decocção: Ferver 1 colher de chá por 10 minutos, cobrir, esperar 10 minutos e tomar 3 vezes ao dia (1).
  • Planta seca: 1-4 g/dia (1).
  • : 250 mg – 3 g/dia (1).
  • Tintura: 2-10 mL/dia (1).
  • Tintura-mãe: 3-18 mL/dia (1).
  • Extrato dos rizomas (adultos): 16-32 mg de gingeróis/dia (1).

Contraindicações e Toxicidade

O consumo oral de pó de gengibre em doses de até 2 g/kg não exibiu mortalidade ou anormalidades hematológicas em ratos (2).

Precauções e Contraindicações

  • Gravidez: A dose máxima recomendada durante a gravidez é de 1 g/dia (1).
  • Hipertensão: Uso cauteloso em pacientes com hipertensão, sendo contraindicado em casos graves (1).
  • Dermatite de Contato: Pode gerar dermatite de contato em pacientes sensíveis (1).
  • Cálculos Biliares: Contraindicado em pessoas com cálculos biliares.
  • Irritação Gástrica: Contraindicado em casos de gastrite e refluxo.

Referências Bibliográficas

  1. SAAD, G. de A. et al. Fitoterapia Contemporânea – Tradição e Ciência na Prática Clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. p. 441.
  2. DAILY, J. W. et al. Efficacy of Ginger for Alleviating the Symptoms of Primary Dysmenorrhea: A Systematic Review and Meta-analysis of Randomized Clinical Trials. Pain Med (United States), v. 16, n. 12, p. 2243–55, 2015.
  3. PHILIPPI, S. T.; PIMENTEL, C. V. de M. B.; ELIAS, M. F. Alimentos Funcionais e Compostos Bioativos. 1. ed. São Paulo: Manole; 2019. p. 893.
  4. MOZAFFARI-KHOSRAVI, H. et al. The effect of ginger powder supplementation on insulin resistance and glycemic indices in patients with type 2 diabetes: A randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Complement Ther Med, v. 22, n. 1, p. 9–16, fev. 2014. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0965229914000028. Acesso em: 24 jun. 2025.
  5. EBRAHIMZADEH ATTARI, V. et al. Changes of serum adipocytokines and body weight following Zingiber officinale supplementation in obese women: a RCT. Eur J Nutr, v. 55, n. 6, p. 2129–36, 29 set. 2016. Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/s00394-015-1027-6. Acesso em: 24 jun. 2025.
  6. MAHARLOUEI, N. et al. The effects of ginger intake on weight loss and metabolic profiles among overweight and obese subjects: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Crit Rev Food Sci Nutr, v. 59, n. 11, p. 1753–66, 17 jun. 2019. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10408398.2018.1427044. Acesso em: 24 jun. 2025.
  7. WANG, J. et al. Beneficial effects of ginger Zingiber officinale Roscoe on obesity and metabolic syndrome: a review. Ann N Y Acad Sci, v. 1398, n. 1, p. 83–98, jun. 2017. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/nyas.13375. Acesso em: 24 jun. 2025.
  8. HIRSCHBRUCH, M. D. Nutrição Esportiva – Uma Visão Prática. 3. ed. Barueri – SP: Manole; 2014. p. 496.

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